Pequenos bailarinos e a transformação de comunidades no interior do Brasil

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JULIANA COISSI, DE SÃO PAULO

O balé opera uma silenciosa revolução em comunidades do interior do Brasil.

Em casebres sem porta nem janela, fechados por panos, sapatilhas penduradas na parede de pintura gasta indicam que dali saíram crianças hoje integrantes do seleto grupo de bailarinos da escola do Teatro Bolshoi no Brasil, em Joinville (SC). Um dos exemplos é Danilo, 12.

A transformação não apenas na vida de bailarinos, mas também na de suas comunidades pobres, foi testemunhada pelo fotógrafo Henrique Coutinho Pontual, 48, e retratada em livro.

“Escola Bolshoi – Arte e Cidadania”, lançado no fim de junho na cidade catarinense, aborda a rotina de aulas, ensaios e apresentações dos pequenos bailarinos.

Mas vai além. Pontual decidiu refazer o caminho dos pequenos artistas e descobrir, em suas cidades de origem, como nasceu o sonho da dança.

Ao longo de dois anos, o fotógrafo visitou cerca de 40 municípios de Nordeste, Centro-Oeste e Sul do país no momento em que os bailarinos reencontravam os pais, nas férias escolares.

Na maioria dos casos, a recepção da equipe que produziu o livro foi ao típico estilo do interior, “com café e bolo”, relembra Pontual.

Mas ele também observou situações tensas, em comunidades com altos índices de criminalidade, e cenários de famílias desestruturadas, com pais desempregados.

“A força dessa criança eu não consigo nem entender até hoje, como ela consegue se reestruturar internamente, superar essas dificuldades e usar o balé para se tornar uma boa pessoa”, diz.

A convivência permitiu que a equipe percebesse reflexos do efeito Bolshoi para além da criança bailarina. “Os irmãos que não estão na escola, por exemplo, mas têm o irmão bailarino como referência, começam a estudar, fazer cursos profissionalizantes”, disse o fotógrafo.

“Até o vizinho já arruma a casa melhor para receber o bailarino quando ele volta para visitá-los, nas férias”.

PRECONCEITO

Única escola de formação fora de Moscou, a unidade em Joinville mantém 255 crianças e adolescentes nos cursos técnicos de dança clássica e dança contemporânea. Quase todos os alunos (201) vieram de outros Estados e até países, como Argentina e Paraguai.

O livro, realizado por Pontual e pela empresa de empreendimentos culturais KBMK, traz aproximadamente 300 imagens de alunos e seus pais, além da rotina do Bolshoi em Joinville. O primeiro lançamento ocorreu no início de junho, na embaixada brasileira em Moscou.

Na visita às casas, sob o olhar curioso de familiares e vizinhos, as lentes de Pontual captam detalhes da presença do balé: um quadro de uma apresentação, uma sapatilha ou um cartaz de um antigo festival.

E também esforços de romper o preconceito. Uma das fotos mostra dois bonecos de luta, brinquedo comum para um moleque, guardados dentro de suas sapatilhas penduradas na parede.

“O bailarino homem precisa vencer também o machismo, que em algumas regiões é até mais acentuado. E me surpreendi com o apoio que eles recebem da família”.