Conheça a história do ‘rabino santo’ que mobiliza católicos na Amazônia
LUCAS REIS, DE MANAUS
No cemitério mais antigo de Manaus, o São João Batista, é outro o “santo” que há um século atrai devotos e mensagens de agradecimento por graças alcançadas: o santo judeu milagreiro.
Assim ficou conhecido o rabino marroquino Shalom Emanuel Muyal, que desembarcou na Amazônia no início do século passado com a missão de ajudar e orientar a já crescente comunidade judaica em Belém e Manaus.
Morreu apenas dois anos após chegar ao Brasil, em 1910, possivelmente de febre amarela (não há consenso sobre isso) e virou referência para católicos.
Desde então, ganhou fama de milagreiro, e seu túmulo, até hoje, é alvo de peregrinações.
“Essa história é famosa em Israel. Nos perguntam: ‘Como pode um rabino ser santo?’. Mas o fato é que ele é o nosso embaixador com a comunidade cristã em Manaus”, diz Anne Benchimol, ex-presidente do Comitê Israelita do Amazonas e diretora educacional da instituição.
As razões da fama de milagreiro do rabino também despertam dúvidas.
A versão mais repetida, porém, é a de uma mulher que deu de ombros para a possibilidade de ser contaminada pela doença e passou a cuidar de Muyal.
“Quando ele morreu, as pessoas ficaram encantadas pela maneira com que essa senhora cuidava do rabino. Então, a mulher dizia que poderia tratar doenças e outras enfermidades, pois o rabino havia lhe dado o poder de cuidar das pessoas”, diz Anne.
Foi a senha para que surgissem casos de cura ou outras graças alcançadas atribuídas ao “santo rabino”. Desde então, a fé só cresceu.
CEMITÉRIO CATÓLICO
Enterrado em um cemitério cristão, já que Manaus, à época, não dispunha de um cemitério israelita, o túmulo do rabino passou a reunir devotos.
A comunidade judaica ergueu um pequeno muro em volta, como manda a tradição. E viu crescer o culto à imagem do rabino dia a dia.
No local, há dezenas de pedras postas sobre o túmulo, além de placas com agradecimentos ao “milagreiro”.
“Não é a comunidade judaica que o considera santo milagreiro, mas respeitamos este sentimento”, diz Anne.
O caso tomou tamanha proporção que, nos anos 1980, um parente de Muyal tentou levar consigo os restos mortais do rabino para que fossem enterrados em Israel. Foi impedido pela fé dos católicos.
“Não podemos fazer isso, um número muito grande de cristão ficaria triste. Nem mesmo do cemitério [São João] ele foi retirado”, conta Anne.
“Na época, a comunidade judaica argumentou que o rabino veio para a Amazônia trabalhar e prestar serviços comunitários. Permanecendo aqui, ele continuará a prestar serviços.”