Conheça o condomínio exclusivo para moradores de rua

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ESTELITA HASS CARAZZAI, DE CURITIBA

Eles estão acostumados a não terem regras –mas, agora, precisam não só segui-las como ajudar a criá-las.

É este o desafio diário do Condomínio Social, onde moram pessoas em situação de rua, inaugurado no início do ano em Curitiba.

A ideia de uma “casa para moradores de rua” parece contraditória. O projeto, porém, funciona como a última etapa de acolhimento desta população.

“Nem todo morador de rua quer chegar aqui. Muitos querem continuar a viver sem regras. Mas outros não”, diz a coordenadora da casa, a assistente social Marilis Baumel.

Vai para o condomínio quem trabalha ou está em busca de trabalho e se compromete a manter a sobriedade ou quer buscar tratamento para dependência química, se for o caso.

Os moradores têm um quarto, que dividem com até três pessoas, e um armário individual, com chave.

Eles precisam trabalhar ou estudar de dia, mas moram na casa, que tem espaços de convivência, como sala de jogos e videoteca, além de uma equipe de educadores sociais e técnicos à disposição.

O trabalho é compartilhado, num sistema de cogestão. Todos participam da escala de limpeza, ajudam na cozinha (há três refeições diárias) e se comprometem a manter a higiene do local.

A ideia é que os moradores permaneçam ali de um a dois anos, no máximo.

“Não adianta tirar da rua e colocar direto numa casa. A rua vai junto”, diz a presidente da FAS (Fundação de Ação Social de Curitiba), Marcia Oleskovicz Fruet. “Nesse período em que eles estão ali ‘incubados’ é que conseguem adquirir autonomia. É uma retirada sustentável da rua.”

DEGRAUS

Hoje, o projeto abriga 38 pessoas, todos homens, com idades entre 21 e 54 anos. Muitos têm histórico de dependência química ou romperam vínculos familiares. Mas vislumbram agora a chance de se estabilizarem e conseguirem um lar.

“Todo dia é um degrauzinho que você vai subindo”, conta Marcos Fabiano da Silva, 38. Ele é conhecido como “o síndico”, por ter sido um dos primeiros moradores e estar sempre cobrando as tarefas.

“A diferença aqui é o vínculo que eu fiz com os assistentes. No resgate [onde funciona o pernoite para moradores de rua], era tudo correndão. Aqui eu tenho apoio, eles me ouvem.”

“Esta é a parte bonita da FAS”, diz o morador Felipe Carpinelli, 54. “Lá embaixo, no resgate, é complicado.”

A comparação é vista como positiva pela prefeitura. “O condomínio se tornou um objetivo, um desejo para as pessoas de rua. Era isso que a gente queria”, comenta a presidente da fundação social da cidade.

DESAFIOS

Há problemas. O maior, segundo os coordenadores do projeto, são as drogas –e as recaídas. “É frustrante. Você percebe no andar”, conta Baumel.

Cerca de quatro meses depois da inauguração do condomínio veio à tona que alguns moradores, com a renda obtida com o trabalho, estavam comprando e vendendo drogas dentro da casa. Foi uma reviravolta: alguns foram desligados do projeto, e os que permaneceram pediram um endurecimento nas regras.

“Foi um divisor de águas”, conta a assistente social Niuceia de Fátima Oliveira, gerente de proteção especial da FAS. Numa reunião de três horas seguidas com os moradores, ficou acertado que ninguém sairia sem justificativa depois das 21h.

“Depois disso, estabelecemos uma presença permanente dos educadores. Porque os moradores pediram”, diz Oliveira. “Ficou claro que a renda do trabalho pode tanto levar à autonomia quanto ao caminho oposto.”

A equipe encara a criação do Condomínio Social como uma mudança de paradigma.

“A sociedade, em geral, se preocupa com o velhinho e com a criança. O adulto que está na rua é vagabundo”, diz Baumel. “Eles ligam para retirar o morador da frente do portão não porque se preocupam com ele, mas porque é um incômodo.”

Ter uma estrutura como o condomínio, com custo mensal e funcionários dedicados a isso, para a equipe, é uma mostra de que o resgate do morador de rua é uma prioridade.

Ainda neste ano, a prefeitura pretende inaugurar um outro condomínio, desta vez para mulheres.