Entenda a “guerra” que agita o Recife às vésperas da Copa do Mundo

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DANIEL CARVALHO, DO RECIFE

De um lado, um consórcio formado pelas maiores construtoras de Pernambuco. Do outro, estudantes, professores e artistas.

O que separa os dois grupos é o destino de um terreno de 100 mil m² (ou dez campos de futebol) à margem do rio Capibaribe, no centro do Recife.

A área no chamado cais José Estelita era da extinta RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A). Foi arrematada em 2008, em leilão, por R$ 55 milhões, pelo consórcio “Novo Recife”, composto pelas empresas Moura Dubeux Engenharia, Queiroz Galvão Desenvolvimento Imobiliário, Ara Empreendimentos e GL Empreendimentos.

No local onde hoje existem galpões de açúcar abandonados, o consórcio pretende construir 12 torres de até 40 andares, num projeto de R$ 800 milhões –são oito prédios residenciais, dois empresariais e dois flats.

Estudantes e professores universitários começaram a se articular pelas redes sociais em 2012, quando o projeto veio a público, e criaram o grupo Direitos Urbanos, hoje com quase 20 mil “integrantes” no Facebook.

Eles são contra o projeto “Novo Recife” por acreditar que os espigões de concreto agridem a paisagem do centro histórico do Recife e criam uma “ilha de luxo” cercada pela pobreza do centro da capital pernambucana.

Há dois anos, os ativistas promovem intervenções artísticas batizadas de “#OcupeEstelita” para movimentar a área degradada e protestar contra o projeto imobiliário.

Eles defendem que o “Novo Recife” seja rediscutido e replanejado. Na pauta de sugestões há, por exemplo, a redução da altura das torres para que não formem um “paredão” na beira do rio e a construção de habitações populares para manutenção da mistura de classes sociais do centro da cidade.

“O projeto é uma bolha de elitização e exclusão dentro da cidade”, afirma o professor de filosofia Leonardo Cisneiros, 37, um dos membros do Direitos Urbanos.

O consórcio diz que não cogita revisar o projeto. Afirma que a iniciativa foi aprovada pela prefeitura e visa recuperar uma área hoje “em estado de abandono”. Aponta ainda uma série de contrapartidas para a cidade, como construção de uma alça de viaduto, vias, ciclovias e áreas de lazer na região.

“O projeto atual, resultado de um longo processo de aprovação, que já destinava 40% da sua área para uso público, incluiu no seu plano de desenvolvimento uma maior participação na qualificação e revitalização de espaços públicos”, diz comunicado do grupo de empresas.

DEMOLIÇÃO

A briga entre ativistas e construtoras ganhou um novo e tenso capítulo na semana passada. Na noite de quarta-feira (21), os antigos armazéns começaram a ser demolidos e manifestantes contrários ao projeto invadiram o terreno para impedir a ação das máquinas.

Há relatos de ativistas agredidos por homens identificados pelos denunciantes como seguranças do consórcio. A polícia foi chamada, mas não houve confronto.

A demolição foi embargada pelo Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) porque os galpões estão no perímetro do sítio histórico e é preciso de autorização do instituto para demoli-los.

Há uma semana, dezenas de ativistas estão acampados no terreno. Eles montaram uma cozinha, fazem coleta seletiva do lixo e desenvolvem atividades culturais.

Cerca de 60 manifestantes dormem em 30 barracas. Há gente de todas as idades. A Folha passou a tarde e o começo da noite do último domingo (25) na ocupação. Naquele dia, havia ao menos 500 pessoas no local, atraídas por atividades culturais que devem se repetir no próximo domingo (1º).

“Essa ocupação é poética. Este lugar é uma memória afetiva da cidade”, disse o estudante de cinema Matheus Beltrão, 20.

ADESÃO

O “#OcupeEstelita” ganhou adesão de artistas, que publicaram em suas redes sociais fotos declarando apoio ao movimento dos ativistas.

A onda de apoio começou com a cantora Karina Buhr, que foi seguida por colegas como Marcelo Jeneci, Otto, Alceu Valença e Ney Matogrosso, e por atores como Irandhir Santos, Leandra Leal, José Celso Martinez Corrêa  e Patrícia Pillar.

Desde a invasão, já houve duas reuniões entre prefeitura, Ministério Público e ativistas. O consórcio não participou do último encontro, na quarta-feira (28). No dia seguinte, o desembargador substituto Márcio Aguiar Silva, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, concedeu a reintegração de posse do terreno, mas os manifestantes prometem continuar no local.

No último dia 22, a Justiça Federal também determinou, em caráter liminar,  a suspensão da demolição dos galpões até que o consórcio comprove a aprovação do projeto por Iphan, Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte) e ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).