Fotos gigantes mudam vila no semiárido da Bahia
JOÃO PEDRO PITOMBO, DE FEIRA DE SANTANA (BA)
Na estrada do Feijão, antiga rota de escoamento do grão para as grandes cidades da Bahia, um atalho leva ao povoado de Morrinhos, zona rural de Feira de Santana (116 km de Salvador). São mais 7 km por uma estrada de barro até uma típica vila do semiárido baiano.
Morrinhos tem praça, escola, meia dúzia de ruas, 90 casas e cerca de 400 moradores. É daqueles lugares onde ainda se dorme de porta aberta e a principal distração é colocar a cadeira na frente de casa e jogar conversa fora.
Esse foi o local escolhido pela artista visual Maristela Ribeiro para levar seu trabalho: dez grandes painéis fotográficos plotados nas próprias casas dos moradores e que retratam elementos da vida do sertão –estradas, cercas, lavouras, boiadas. Cenas do cotidiano de quem vive e trabalha em Morrinhos.
Gente como o lavrador Renivaldo Anunciação, que não tem terra própria nem emprego fixo, mas viu surgir em sua parede o retrato de um rebanho de ovinos. “São as minhas cabrinhas. E o melhor de tudo é que elas não fogem”, diz o agricultor, antes de uma gargalhada.
Renivaldo diz que os painéis fotográficos se tornaram ponto turístico no vilarejo: “Agora muita gente vem de fora só para ver nossas casas. Animou nossa vida sossegada aqui na roça”.
Mas, para além de conferir notoriedade a uma região marcada pela pobreza –há casas de taipa, outras sem banheiro, quase todas sem água corrente–, os painéis fotográficos também serviram para forjar um novo senso de identidade entre os moradores de Morrinhos.
“Neste período de convivência em Morrinhos percebi que a população não tinha fotografias da região nem deles próprios. Busquei dar visibilidade a cenas que eram invisíveis aos olhos das pessoas daqui e de fora”, explica Maristela Ribeiro, que esteve nove meses em contato com a comunidade até o trabalho final.
Pelo visto, o esforço deu certo: moradora de Morrinhos, Alcina Santos não teve sua casa plotada, mas diz que, na rua, “todo mundo gostou” das fotografias: “Isso aqui ficou uma lindeza”.
O trabalho em Morrinhos reconfigura uma iniciativa que há pelo menos 30 anos se desenvolve nos arredores de Feira de Santana.
Um dos pioneiros em levar arte “do sertão para o sertão” na região foi o artista plástico Juraci Dórea. Iniciado nos anos 1980, o “Projeto Terra” levou exposições para feiras livres, transformou muros de casas em painéis de pintura e ergueu grandes esculturas em lugares inóspitos.
Ganhou o mundo com participações em exposições no Japão, na Itália e em Cuba, e foi retratado no documentário “O Imaginário de Juraci Dórea no Sertão: Veredas”, lançado no ano passado pelo cineasta Tuna Espinheira.
Para Dórea, o ineditismo do projeto para a época foi usar a paisagem do sertão “para sair do circuito tradicional e levar arte para lugares incomuns”.
Trinta anos separam os dois projetos, mas as obras seguem cumprindo o mesmo papel: aproximam a arte da vida e fazem o sertão ver a si mesmo. Seja pela força da escultura em couro, pelas pinturas que mostram o universo dos vaqueiros e repentistas ou pela simplicidade de uma paisagem rural encravada nos muros da velha Morrinhos.