Os arrepios e o orgulho de um barqueiro do Pará
ANDRÉ UZÊDA, ENVIADO ESPECIAL A BARCARENA (PA)
As águas turvas do rio Mucuruçá, que cortam o município de Barcarena, no Pará, provocam até hoje arrepios no barqueiro Ilson Marques Batista, 47.
Atravessar o rio à noite –auxiliado apenas por uma improvisada lanterna na proa da embarcação– é uma rotina que já se tornou constante em seus nove anos de labuta.
“Ah, os antigos moradores sempre contavam histórias de cobras gigantes dentro do rio que saíam à noite para atacar os barcos. Sempre fiquei impressionado com esses relatos. Evito até pensar nisso quando estou guiando, para não ter susto”, diz, meio sem jeito.
Navegar no breu do Mucuruçá é a parte final do trabalho de Ilson. Ele é um dos barqueiros cadastrados no FNDE – Caminho da Escola (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), projeto criado pelo governo federal em 2007. Recebe, líquido, R$ 1.200 pelo ofício.
Ilson transporta cerca de dez adolescentes da ilha de Irapiranga, onde mora, para a outra margem do rio. Na ilha, com cerca de 10 mil habitantes, a escola só vai até a 5ª série.
A travessia leva em média duas horas. O barco zarpa às 10h e chega a tempo das primeiras sirenes anunciarem o início das aulas, ao meio-dia. Na volta, sai às 18h e deixa os meninos em casa às 20h –quando começa o temor noturno do barqueiro.
‘ORGULHO DANADO’
“Sinto um orgulho danado de participar da educação desses meninos. Não sou professor nem nada, mas faço parte da formação deles. Se não fosse meu barco, eles não estudariam”, diz Ilson.
O orgulho se justifica por sua própria história de vida.
Segundo filho de um total de nove, Ilson cursou até o 2º ano do fundamental, quando precisou abandonar o colégio para ajudar o pai no sustento de casa.
Sua principal atividade no trabalho precoce era extrair açaí para ser vendido na feira. Só depois de adulto é que conheceu e se apaixonou pelo ofício de barqueiro.
“Com meus quatro filhos, felizmente, pude dar um destino diferente. Graças às águas do Mucuruçá e pelo meu suor vou formar todos eles. Mandei todos para Belém, assim têm mais condição de estudar e ter uma vida melhor.”
Enquanto faz a travessia com os estudantes, Ilson costuma lançar mão de metáforas para convencê-los que o estudo é “o melhor caminho a se seguir”.
“Mostro o horizonte pela janela do barco e digo que a forma segura de chegar até lá é pelo estudo. Tenho certeza que algum deles vai me ouvir e se lembrar de mim quando se tornar doutor”, afirma o barqueiro.