Tenório, e a trajetória de um comerciante no acostamento

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POR DANIEL CARVALHO, DE PERNAMBUCO

É no acostamento da BR-232, ao lado de caminhões e de carros que rasgam a rodovia a mais de 100 km/h, que dezenas de famílias ganham a vida em Pernambuco.

Perde-se a conta do número de bancas às margens da estrada, que liga o litoral ao sertão do Estado. Ali, vende-se de tudo: de plantas até pássaros.

E é a venda de frutas no acostamento da estrada em Gravatá, no agreste do Estado, que ajuda a sustentar a família de Reginaldo Tenório, 56, o Matuto da Serra, como ele mesmo se apresenta à reportagem da Folha.

Tenório diz que trabalhava em uma barraca próxima ao túnel da Serra das Russas, conjunto de escarpas de até 600 metros de altura, até que, em 2012, policiais rodoviários entregaram uma notificação. Não poderia mais ficar no local, por causa do risco.

Naquele momento, o agricultor acreditou que poderia sustentar a família com o cultivo de milho. Tentou, mas não imaginava que, no ano passado, perderia toda a safra por força da pior seca dos últimos 50 anos na região.

“Fui andar no mundo para tentar uma vaga de motorista, mas, com a minha idade, não consegui”, diz o agricultor.

Sem o milho, e ao constatar que os R$ 140 do Bolsa Família que a mulher dele recebe todo mês não davam conta de sustentar seis pessoas, Tenório decidiu pegar caronas até chegar a Brasília, cinco dias depois de deixar Gravatá.

“Fiquei 26 dias morando na rodoviária [de Brasília], sem um tostão, para tentar falar com a presidente [Dilma], para ver se ela dava minha barraca de volta. Mas cheguei no [Palácio do] Planalto e não me deixaram nem subir”, afirma Tenório.

Ao voltar para Pernambuco, sem sucesso e novamente de carona num trajeto de 1.985 km, Tenório disse ter tentado também falar com o então governador Eduardo Campos (PSB-PE), mas também sem sucesso.

Alugou, então, por R$ 200 mensais, uma barraca mais afastada do túnel. Atualmente trabalha no local das 5h às 17h30, todos os dias, para tirar, no máximo, R$ 800 por mês.

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O vendedor de frutas Reginaldo Tenório, 56, em sua barraca de frutas à beira da rodovia federal em Gravatá, no agreste de Pernambuco – Foto: Daniel Carvalho/Folhapress

Apesar de modesto, o lucro de Reginaldo Tenório ainda é maior do que o da agricultora aposentada Maria Francisca, 58, que vende mel de abelha, castanhas, cactos e canários em uma banca armada com seis pedaços de madeira em Calumbi, no sertão pernambucano.

A agricultora, que recebe R$ 972 na soma da aposentadoria com o Bolsa Família, diz que em alguns meses não ganha R$ 20 na banca.

“Não vendo todo dia. Às vezes fico oito dias sem vender porque o pessoal não para e ainda tem gente que leva as plantas [expostas sob a barraca]”, diz Edna Maria dos Santos, 30, que disputa clientes com Maria Francisca na banca ao lado.

A Polícia Rodoviária Federal não tem o número de barracas instaladas nos acostamentos das 11 rodovias federais que cortam o Estado, mas informa que é proibido ocupar o acostamento dessas estradas.

A corporação admite que o efetivo em Pernambuco está aquém do necessário e, por isso, não dá conta de notificar todos os comerciantes. São 440 policiais, quando o ideal seriam mil, de acordo com a própria assessoria de imprensa da Polícia Rodoviária Federal.

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Barraca no acostamento de uma rodovia federal em Calumbi, no sertão pernambucano
Foto: Daniel Carvalho/Folhapress