Conheça o ‘Senhor Gentileza’ que mudou a rotina de uma favela
PATRÍCIA BRITTO, EM VITÓRIA
Quem sobe o Morro dos Alagoanos, em Vitória, não demora para ouvir falar de um homem que fez os capixabas lembrarem da favela por outro motivo, que não seja o tráfico de drogas.
Lá no alto da comunidade, em uma casa amarela com duas janelas e três vasos na calçada, mora o Raimundo de Oliveira, de 67 anos, autodenominado “agitador cultural”.
Nascido em uma família simples do morro, Raimundo se dedica desde jovem à missão de divulgar a arte e a cultura na favela.
É ele quem produz uma das tradicionais festas da cidade, o Femusquim (Festival de Música de Botequim), que todos os anos leva para o morro shows de samba, bossa-nova e MPB, de artistas locais e nacionais.
Quando foi criado, em 1997, o Femusquim tinha apenas uma caixa de som no meio da rua. O festival cresceu e hoje em dia leva para o morro, nos dois dias de festa, um público de cerca de 3.000 pessoas.
Entusiasta do morro, Raimundo conta que criou o festival para levar uma atração cultural para a comunidade e reduzir o preconceito contra os moradores da favela.
“Antes as pessoas não vinham para cá porque havia, e ainda há, um preconceito. Acham que o morro é violento. Mas com essas ações, como o Femusquim, nós estamos quebrando essa barreira. As pessoas estão vindo e vendo que o morro não é como se vende”, disse Raimundo durante a visita.
Ocupado por imigrantes nordestinos na década de 1920, o morro na região oeste de Vitória se tornou um dos pontos de tráfico de drogas na capital espírito-santense e é pouco frequentado por moradores de outras regiões. Mas, desde que o festival entrou para o calendário cultural da cidade, as ruas do morro ficam cheias de visita nos dias de festa.
Neste ano, em sua 18ª edição, o Femusquim fará uma homenagem ao cantor e compositor baiano Dorival Caymmi (1914-2008), nos dias 6 e 7 de novembro. A festa é gratuita, e os artistas são remunerados por meio de lei de incentivo à cultura.
GENTILEZA
Na vizinhança do Morro dos Alagoanos, Raimundo também é conhecido como Senhor Gentileza e lembrado pelas ações que cria para tornar a comunidade um lugar acolhedor.
Uma dessas criações é a chamada “escadaria da gentileza”: “Um dia eu estava nessa escadaria e percebi que ninguém me cumprimentava. Aí me deu um estalo. Limpei, pintei e escrevi: sorria, dê bom dia, dê boa tarde, dê boa noite. Gentileza gera gentileza. E o pessoal gostou”, contou ao blog.
Ao que parece, a estratégica funcionou.
Nas quase duas horas de visita do blog, em uma noite de quarta-feira, mais de 20 pessoas cumprimentaram Raimundo nas ruas do morro –entre elas, três motoristas de ônibus, a moça que vende cachorro quente na calçada, o barbeiro, e uma dona de casa sorridente na janela.
“A gentileza causa tanto bem, que muitos males ela evita, como o estresse, o infarto e o cansaço mental”, defendeu Raimundo, em tom professoral, enquanto apresentava o morro ao blog.
Outras de suas criações para alegrar a comunidade foram a “escadaria da fama”, pintada com nomes de artistas espírito-santenses, e o pequeno “jardim as rosas não falam”, de dois metros quadrados, transformado a partir de um antigo depósito de lixo.
Ele também já plantou árvores nas ladeiras do morro, montou um coral infantil, pintou muros e abriu uma biblioteca. Na maioria dos casos, as criações são custeadas com dinheiro do próprio bolso, por desesperança em esperar iniciativa do poder público.
“A cultura é vista como sobremesa: é a última coisa. Você vê a verba da segurança, da saúde, da educação… Cultura é o que sobra”, lamentou.
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