Um passeio fúnebre: visitantes fazem tour guiado por cemitério
ESTELITA HASS CARAZZAI, DE CURITIBA
A pesquisadora Clarissa Grassi, 37, tem na sua sala de estar um pôster de mais de um metro de largura, repleto de túmulos. É uma foto do São Francisco de Paula, o mais antigo cemitério de Curitiba, onde Clarissa mora.
Ah, ressalta-se, ela mora na cidade de Curitiba, e não no cemitério, embora este seja o foco quase exclusivo de sua dedicação.
Há dez anos, ela pesquisa a história e a arte dos túmulos do local. Na semana passada, realizou uma rodada de visitas guiadas pelo cemitério, um sucesso absoluto. Todas as 200 vagas foram preenchidas em um dia.
São quase três horas peregrinando pelo lugar –que, como se descobre, é um “espelho da cidade”. “É como a cidade dos mortos. Aqui também existem os bairros chiques, o centro histórico, os populares”, explica Grassi.
O de Curitiba tem uma característica especial: as carneiras, onde são colocados os caixões, são sobrepostas umas às outras, formando pequenos prédios. “Assim como a cidade foi verticalizada, o cemitério também. Esses ‘predinhos’ de carneiras são uma característica bem curitibana.”
Se estivéssemos em Florianópolis, diz Clarissa, veríamos toldos sobre os túmulos, para protegê-los do sol. Na cívica Porto Alegre, encontraríamos uma profusão de túmulos celebrativos, feitos pelo Estado, em homenagem a figuras históricas do Rio Grande do Sul. Em São Paulo, haveria as práticas portinholas de bronze que dão acesso ao túmulo sem precisar quebrá-lo a cada enterro.
“Cada um reflete a cidade na qual está inserido”, conta a guia.
ARTE
Alguns detalhes são universais. Em meio às ruas estreitas do cemitério, Clarissa vai mostrando as características da arte tumular, que no Brasil teve seu auge entre o século 19 e os anos de 1940.
Figuras decorativas, que remetem à crença na vida após a morte, eram esculpidas por artesãos. Era uma forma não só de homenagear o ente querido, mas também de estabelecer uma distinção social e, especialmente, de tentar negar a morte pela crença no eterno.
Nas cruzes e epitáfios, reconhecem-se símbolos como tochas de cabeça para baixo (que representam a morte), chamas da vida eterna (“o corpo perece, mas a chama permanece”, explica a guia), papoulas (flor associada à dormência, por suas características opiáceas), árvores com galhos cortados (a vida interrompida) e anjos em súplica pela alma que se foi.
“Este aqui é o ‘pretinho básico’”, comenta Clarissa, ao se deparar com um túmulo encontrado aos montes pelo cemitério. “Este é um típico alemão”, afirma, sobre um sepulcro em que o morto é enterrado no chão, cercado por grades e com uma coluna de mármore ao fundo, onde fica o epitáfio.
A ala dos mausoléus, que competem em altura e ornamentação, é o “Batel” do cemitério, o bairro nobre da cidade dos mortos. Do lado oposto, fica o centro histórico, onde estão enterrados ícones da história paranaense, como ex-presidentes da província, ex-prefeitos, poetas e dezenas de “nomes de rua” da capital paranaense –dos quais passa a se saber um pouco mais após a visita.
Entre uma escultura e outra, ouve-se um lamento de Clarissa. “Essa asa não estava quebrada antes”, ou “riscaram o rosto desse anjo”. “A segurança é a maior das nossas preocupações”, diz Patrícia Carneiro, diretora do departamento de serviços especiais da prefeitura, que administra o cemitério.
As visitas guiadas são uma das armas do município para tentar ocupar o local e coibir o vandalismo.
Futuras visitas ainda não foram programadas, mas as rodadas de passeios têm ocorrido pelo menos uma vez por ano. A prefeitura diz que irá informar sobre novas visitas em sua página no Facebook.
Quem quiser se aventurar por conta própria também pode: em agosto, a pesquisadora lançará um guia sobre o cemitério, com nove trajetos temáticos (músicos, artistas, intelectuais, empresários, políticos, milagreiros, arquitetura, geologia e arte tumular).