Brasil https://brasil.blogfolha.uol.com.br Histórias e personagens pelo país afora Thu, 28 Oct 2021 12:12:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Feminicidas são retratados em exposição de artista gaúcha https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/03/12/feminicidas-sao-retratados-em-exposicao-de-artista-gaucha/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/03/12/feminicidas-sao-retratados-em-exposicao-de-artista-gaucha/#respond Tue, 12 Mar 2019 14:54:02 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2019/03/feminicida11-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=3820 Paula Sperb

PORTO ALEGRE A imagem mostra doze homens, lado a lado. Sem roupa, eles possuem revólveres no lugar do pênis. O número de figuras foi escolhido porque representa aqueles que matam doze mulheres por dia no Brasil, em média. A pintura, que tem 3,60m de largura e 1,80m de altura, foi inspirada em autores reais de feminicídio de suas companheiras.

A obra da artista gaúcha Graça Craidy faz parte da exposição “Feminicidas: o machismo que mata”, recém-inaugurada no Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo, no centro de Porto Alegre, com o objetivo de denunciar a violência contra as mulheres.

“Ao usar o termo feminicida, quero distinguir o assassino de mulher. Quero que esse termo entre para o vocabulário popular. Agora, as mulheres estão reagindo, saindo de relações abusivas, e aí o que acontece? Eles não aceitam e matam”, disse Craidy.

A artista escolheu desenhar armas de fogo no lugar dos órgãos sexuais porque entende que o revólver simboliza a dominação masculina sobre as mulheres vítimas de feminicídio. “Tudo é questão de não aceitar a igualdade das mulheres. ‘Não sou igual a ti, tu é menos do que eu’, eles pensam. São centenas de anos de cultura machista”, explica a artista.

Reportagem de Folha mostrou que apenas em janeiro deste ano 119 mulheres foram assassinadas e 60 foram vítimas de tentativa de feminicídio. Nem todos os estados contabilizam as tentativas, o que torna os casos subnotificados.

Outro motivo para incluir os revólveres nas pinturas é que a artista se diz preocupada com a facilitação do porte de arma de fogo. “Pressinto, infelizmente, que a facilitação do armamento vai aumentar ainda mais os feminicídios. A mulher é morta dentro de casa, se puder ter arma dentro de casa vai facilitar ainda mais”, explica.

A artista já retratou as vítimas dos feminicídios. Agora optou por mostrar os autores dos crimes. “Está na hora de a gente falar. Pensam que o homem que está matando é apenas de classe baixa e com um passado de crime, mas eles são aparentemente “normais”, de todas faixas etárias, classes sociais, níveis culturais. Quis fazer isso, inspirada em figuras reais, para alertar as mulheres”, diz.

A reportagem da Folha também mostra que 47% dos crimes de janeiro de 2019 ocorreram na casa da vítima. Nos casos estudados, 74% dos crimes cometidos com armas de fogo resultaram em morte —contra 59% no caso de agressões a facadas. A maioria dos autores era companheiro ou ex das mulheres.

Previsto no Código Penal desde 2015, o feminicídio é um tipo de homicídio, cometido “contra uma mulher por sua condição de sexo feminino”. “Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: violência doméstica e familiar; menosprezo ou discriminação à condição de mulher”, diz a lei.

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O quilombo gaúcho e o antigo palacete que escondia as joias da baronesa https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2018/01/11/o-quilombo-gaucho-e-o-antigo-palacete-que-escondia-as-joias-da-baronesa/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2018/01/11/o-quilombo-gaucho-e-o-antigo-palacete-que-escondia-as-joias-da-baronesa/#respond Thu, 11 Jan 2018 11:00:01 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=3539 ANA LUIZA ALBUQUERQUE
ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Quem passa com o olhar despercebido não deve imaginar quantas histórias se escondem nos quase 4.500 m² que formam o Quilombo do Areal, em Porto Alegre (RS). Foi em uma rua sem saída, no centro da cidade, que cerca de 80 famílias descendentes de escravos permaneceram ao longo das décadas.

Já quem passa com o olhar mais atento tem a atenção capturada pelas desbotadas fachadas originais das casas. No século 19, existia ali uma chácara, parte do Areal da Baronesa, extensão de terra pertencente ao Barão e à Baronesa de Gravataí.

Com a morte do barão, a baronesa se tornou a única responsável pelo local e, sobrecarregada, solicitou o loteamento da chácara, cedendo lugar a habitações populares no local.

Entretanto, quando a baronesa morreu, um caixeiro-viajante chamado Luiz Guaranha (que dá nome à rua) tomou conta do local, registrando as propriedades e cobrando aluguel. Sem herdeiros, Guaranha morreu e deixou o território para a Santa Casa de Misericórdia, instituição para a qual os moradores pagaram aluguel por um longo período.

PALACETE

Foi na década de 1820 que a Baronesa de Gravataí construiu o palacete que é símbolo do lugar. Nele, quase duzentos anos depois, mora a telefonista Fabiane Xavier, 41, secretária da associação comunitária do Quilombo do Areal.

Palacete construído na década de 1820 pela Baronesa de Gravataí – Crédito: Eduardo Anizelli/Folhapress

Fabiane relata o momento no qual “caiu a ficha” das raízes de onde vive. A surpresa foi grande quando, em meio à pesquisa do Incra, teve o chão de sua casa esburacado –e lá, nas profundezas do subsolo, foram encontradas as joias da baronesa.

Fabiane Xavier, 41, secretária da Associação Comunitária do Quilombo do Areal, em Porto Alegre – Crédito: Eduardo Anizelli/Folhapress

O processo de regularização do quilombo foi aberto em 2005. Em 2014, a comunidade recebeu a Portaria de Reconhecimento de Comunidade Remanescente de Quilombo. Agora, ainda resta efetivar a titulação das terras, que pertencem à Prefeitura.

Reportagem da Folha em dezembro mostrou que outro quilombo, o Costa da Lagoa, no município de Capivari do Sul, 80 km de Porto Alegre, ainda não conseguiu a titulação.

O território possui certificação da Fundação Cultural Palmares desde 2006 e abriu processo de regularização fundiária no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em 2011.

Nele, a pesquisa de antropólogos do Incra atesta que a identidade étnica do local não é apenas rememorada, mas “vivenciada e preservada nas relações de compadrio, parentesco e reciprocidade”.

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Iracema, 53, a índia kaigang parteira do RS https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2016/10/05/iracema-53-a-india-kaigang-parteira-do-rio-grande-do-sul/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2016/10/05/iracema-53-a-india-kaigang-parteira-do-rio-grande-do-sul/#respond Wed, 05 Oct 2016 12:00:17 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=3128

FERNANDA CANOFRE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PORTO ALEGRE

A primeira vez em que viu uma criança chegar ao mundo, Iracema tinha cinco anos. Sua avó era a kuiã –nome da etnia kaingang para curandeiros– da região e estava de sobreaviso para a grávida da aldeia que poderia entrar em trabalho de parto a qualquer momento, naquela madrugada. Quando bateram à porta da casa, Iracema lembra da avó agarrando suas coisas e ajeitando o cesto nas costas, onde a colocava, para irem trabalhar.

Desde antes de saber caminhar, Iracema vivia com a avó. Foi ela quem a amamentou e criou depois que uma cobra entrou na casa e fez o leite da mãe da menina secar com o susto.

Na reserva indígena de Serrinha, entre Nonoai e Ronda Alta, região norte do Rio Grande do Sul, era a avó quem manejava as ervas medicinais e trazia gente ao mundo. Entre os sete irmãos e as seis irmãs, Iracema foi a única que nasceu com a mesma vocação.

“Ela era nossa médica, era a kuiã. Ela não cursou faculdade, era um dom de Deus. Ela conhecia plantas, sabia sobre os remédios, como fazer as massagens”, lembra Iracema, sentada no sofá de sua casa em Porto Alegre.

A parteira kaigang Iracema, 563, com o marido, cacique João Padilha, na casa da família, na periferia de Porto Alegre - Crédito: Fernanda Canofre
A parteira kaigang Iracema, 53, com o marido, cacique João Padilha, na casa da família, na periferia de Porto Alegre – Crédito: Fernanda Canofre

Quando saiu da aldeia de Nonoai, aos 18 anos, Iracema partiu para levar seus conhecimentos de kuiã para outros lugares. Acabou ficando um tempo no interior do Paraná, onde ela e uma companheira guarani atendiam grávidas em terras indígenas, com apoio da Funai (Fundação Nacional do Índio) e ensinavam técnicas de parto indígenas para enfermeiras.

Depois de se casar e voltar ao Rio Grande do Sul, os atendimentos passaram a ser em qualquer lugar que a chamassem.

Aos 53 anos de idade, já perdeu as contas de quantas crianças ajudou a nascer. “Nem sei mais, mas contando tudo passa de 100”, diz ela.

Como nascem os kaingangues

Os trabalhos da medicina kaingang com gestantes são semelhantes aos de outras etnias indígenas.

A partir dos quatro meses, quando acreditam que a criança está decidida a vir ao mundo, os kuiãs acompanham as mães com banhos mensais de vẽnh-kagta –as ervas colhidas no mato– chás, massagens e benzimentos.

Para eles, é isso que ajuda a preparar o corpo da mulher para o parto. Três tipos de ervas são usados no tratamento: uma só para fortalecer os músculos e a pele, outra para afastar as energias ruins e a terceira para equilibrar o organismo da mãe.

Iracema nasceu assim, como a mãe, a avó e gerações de kaingangues antes delas, e teve os oito filhos –os cinco que sobreviveram e os três que perdeu– todos de parto normal.

A filha Audisseia, 23, no entanto, acabou optando por ir a um hospital quando chegou a hora de seu parto. Com 18 anos na época, cerca de 1,55m de altura e pouco mais de 40 kg, os médicos calcularam que seria arriscado para a jovem ter a bebê de 3,7 kg com um parto normal e agendaram uma cesariana.

Iracema não concordou. Depois de massagear a barriga da filha, ela conta que sabia que a netinha estava pronta para vir ao mundo sem que ninguém cortasse a barriga da mãe.

“Nós que fazemos partos, temos ainda muitos espinhos dos médicos”, diz ela. No hospital, não permitiram que Iracema desse os chás ou fizesse as massagens na filha. As duas entraram em um banheiro e seguiram o ritual que ela aprendera com a avó, em Nonoai, às escondidas.

A parteira kaigang Iracema, 53, com a filha Audisseia, 23 - Crédito: Fernanda Canofre
A parteira kaigang Iracema, 53, com a filha Audisseia, 23 – Crédito: Fernanda Canofre

Na hora do parto, ela conta que pediu um pouco mais de paciência ao médico. “O médico queria fazer cesariana, o quarto estava pronto, tudo pronto. Ele me obrigou a assinar um documento, se a bebê nascesse morta, eu seria a culpada. Eu disse que não ia nascer morta, que ia nascer chorando. E dito e feito: nasceu e chorou”, lembra a mulher com uma fala mansa.

Os tempos, no entanto, acabaram mudando algumas das tradições. O marido de Iracema, Cacique João Padilha, conta que nasceu na beira de uma sanga, pelas mãos do pai e da mãe. Lá, o casal deu banho no bebê, cortou o cordão umbilical e o prendeu com um bico de pedra preparado para evitar infecções.

As três irmãs de João também nasceram assim, na terra indígena perto de Soledade, onde o kuiã-parteiro era o seu avô.

Pai e o ‘parto humanizado’ dos kaigang

A participação dos homens nos partos é um traço da cultura kaingang. Quando a mãe começa a fazer força para empurrar o bebê, cabe a eles a função de apoiá-las pelas costas e segurá-las pelos braços.

Se a mãe enfrenta dificuldades no trabalho de parto, é o pai quem deve ajudar com as simpatias para desbloquear o caminho do filho que vem. Iracema conta que as simpatias para “tirar os obstáculos do parto” nunca falharam.

Ela lembra que certa vez, ainda no Paraná, um dos partos que acompanhou se arrastou por horas e a criança não vinha. A kuiã chamou o pai para um canto e pediu que arrumasse um porongo –espécie de cabaça, comum no sul, usada para fazer as cuias de chimarrão.

Seguindo a simpatia, o pai deveria dar voltas ao redor da casa onde a mãe estava, soprando o fumo preparado dentro do porongo e cantando versos em kaingang. Os tropeços que ele dá enquanto caminha, durante o ritual, segundo a kuiã, representam os obstáculos que impedem o bebê de vir ao mundo sendo derrubados. “E funciona, já vi funcionar em uns quantos partos. É muito bom”, diz ela.

Porém, com o número de kuiãs diminuindo, muitos indígenas sem-terra vivendo fora de aldeias, os hábitos alimentares mudando, o marido do Iracema reconhece que os antigos costumes já não são o bastante para garantir a segurança de mãe e bebê. “Às vezes, nem as ervas estão tendo os mesmos efeitos que tinham no passado. Tudo isso é uma dificuldade”, diz Padilha.

Atualmente, a dificuldade financeira impede que a kuiã possa seguir exercendo a vocação de parteira como antes. “Outra dia, uma amiga guarani, a Guacira, me ligou à noite para ajudar em um parto. Mas era longe e depois que passa da meia-noite já não tem ônibus aqui. Nós até temos um carro, mas a gasolina é cara e se é longe…não tem como”, lamenta ela.

Este ano, Iracema só trabalhou em dois partos por causa das dificuldades. Um deles, em março, em uma comunidade quilombola da periferia de Porto Alegre; o outro de uma indígena, que vive em uma vila da cidade de São Leopoldo, a 30 minutos da capital.

Ela não esmorece. Sem encontrar nos filhos um kuiã para passar o que sabe, ela coloca esperanças em uma das netas. “Minha netinha de 7 anos foi me ajudar num benzimento outro dia e gostou. Acho que ela vai se interessar”, conta.

Em agosto, ela também Iracema estreou como professora de uma cadeira especial de graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ao lado do marido e de mestres da cultura afrodescendente, chamada de Encontro de Saberes. Ela espera assim não deixar sua cultura morrer.

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