Brasil https://brasil.blogfolha.uol.com.br Histórias e personagens pelo país afora Thu, 28 Oct 2021 12:12:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Vânia Oliveira, a artesã alagoana que ganhou título ‘mestre imortal’ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/10/21/vania-oliveira-a-artesa-alagoana-que-ganhou-titulo-mestre-imortal/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/10/21/vania-oliveira-a-artesa-alagoana-que-ganhou-titulo-mestre-imortal/#respond Wed, 21 Oct 2020 14:46:11 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/VANIA7-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4097 Kátia Vasco

MACEIÓ Aos 63 anos e 38 de ofício, a artesã alagoana Vânia de Oliveira Santos tornou-se Mestre Imortal do Brasil, título conferido em setembro pela seção brasileira da IOV World (Organização Internacional de Folclore e Artes Populares), filiada à Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

O trabalho de Vânia Oliveira tem como principal motivo os folguedos de Alagoas, na busca de manutenção da história e das danças folclóricas. O colorido chapéu de guerreiro é a sua marca. A peça, rica em referências locais, já lhe deu o título de patrimônio vivo de Alagoas em 2015 e, em 2020, o de mestra artesã.

A mãe e a avó eram bordadeiras e costureiras, mas ela achava que não tinha jeito para trabalhos manuais. “Eu gostava mesmo era de jogar bola. Fui da primeira seleção alagoana de basquete”.

Vânia abandonou o esporte e casou-se aos 17 anos. Reconheceu a vocação pela arte ao fazer lembranças de aniversário da filha mais velha e os jogos e brinquedos pedagógicos para a escola que a irmã dirigia.

Escolheu o tema folguedos, que são festas populares que fazem parte do folclore no Nordeste, envolvendo música, dança e teatro. “Sempre gostei dos folguedos. Eu brinquei pastoril e guerreiro, mas meu pai não gostava, então eu brincava na escola, onde ele não via”.

Bumba meu boi, um dos símbolos do folclore no Norte e Nordeste do país presentes na obra da artista

Manter viva a cultura passou a ser prioridade. Produzir as peças, no entanto, era pouco. Ela passou a ensinar o ofício. “Sinto que através do repasse eu não deixo a cultura morrer e sei que meus alunos serão mestre. Já tenho aluno mestre”. Para aperfeiçoar a didática, decidiu fazer curso superior à distância e formou-se em pedagogia aos 52 anos.

Decidiu trabalhar pela valorização do artesão, chegou à presidência da Falarte  (Federação dos Artesãos de Alagoas), participou da construção do Plano Nacional do Artesanato, do extinto Ministério da Cultura, em 2010, e contribui , junto a pesquisadoras da UnB (Universidade de Brasília), do Estudo do ecossistema de inovação do artesanato.

Mestre Vânia trabalha com o tema dos folguedos; é artesã há 38 anos.

Mestre Vânia afirma que a sua principal preocupação hoje é com a sobrevivência do artesão, agravada pela pandemia. “Fomos os primeiros a parar e seremos os últimos a voltar. Durante o ano são realizadas quatro feiras nacionais e até o momento não houve nenhuma. Se houver uma no final do ano, como o artesão vai participar? Que incentivo recebemos?”.

Mas ainda há espaço para mais planos. “Meu sonho é ver o reconhecimento do artesão. O artesanato é valorizado, mas o artesão precisa de reconhecimento. O artesanato faz parte da cadeia produtiva do turismo. Por isso tem que ter um olhar para esse profissional”.

O título de mestre imortal é concedido a artesãos reconhecidos e outorgados com títulos de Mestres da Cultura Popular em suas localidades. “Serve de incentivo a milhares de mestres deste Brasil que estão por aí se empenhando para não deixarem desaparecer a cultura de seus antepassados”, afirma o presidente da organização no Brasil, Clerton Vieira.

]]>
0
Lauthenay Perdigão, o alagoano amigo de Dida com 10 mil itens sobre futebol https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/09/30/lauthenay-perdigao-o-alagoano-amigo-de-dida-com-10-mil-itens-sobre-futebol/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/09/30/lauthenay-perdigao-o-alagoano-amigo-de-dida-com-10-mil-itens-sobre-futebol/#respond Wed, 30 Sep 2020 16:05:44 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/dida-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4086 Josué Seixas

Maceió Futebol e o hábito de colecionar atraíram logo cedo a atenção de Lauthenay Perdigão. Ainda menino, tratava pedras e tampas de garrafa como se fossem bolas. Tinha grandes amigos nos rachas disputados na Praça dos Martírios, no centro de Maceió. Entre eles Edvaldo, mas ninguém o chamava assim. Era Dida, que veio a se tornar um dos maiores artilheiros do Flamengo e ídolo de Zico. Lau e Dida tiveram o começo da trajetória no futebol parecida.

Aos nove, pouco depois de se tornar amigo de Dida, Lau começou a colecionar revistas. Na mente do menino, a palavra colecionador ainda não havia se formado. Só foi uma coisa que ia lendo e guardando em casa. “A minha história de colecionador começa quando surgiu a Revista Ilustrada. Foi a primeira revista que comecei a colecionar”, lembra seu Lau, hoje com 86 anos.

E não parou mais. As camisas, flâmulas, fotografias, revistas e livros somam mais de dez mil itens, todos guardados no Museu Edvaldo Alves de Santa Rosa, em Maceió. Foi uma homenagem de Lauthenay a Dida.

Itens que o amigo Dida mandava para Lauthenay estão hoje reunidos em museu – Arquivo pessoal

Lau passou a jogar no time de aspirantes do CSA, assim como Dida, nos anos 50. O último, entretanto, teve mais sucesso: era artilheiro, craque, virou profissional e chamou atenção de times pelo Nordeste. Na época, ele dizia que só sairia de Alagoas se fosse para jogar no Flamengo. A proposta veio em 1954 e os amigos se separaram, mas mantiveram o contato.

 

Só que, conforme Dida era estrela no Rio de Janeiro, Lauthenay ganhava itens para guardar em seu acervo. Camisas, flâmulas, fotografias, todas enviadas pelo craque do Flamengo. Guardar as capas de revistas em que o amigo era protagonista também se tornou parte da rotina. Ao desistir do futebol ainda na juventude, Lauthenay utilizou as informações que tinha para contar histórias. Era bancário e jornalista.

 

O jornalismo, na verdade, era a atividade das horas livres, como os intervalos para almoço e antes e depois do expediente. Nesse tempo, fazia pesquisas sobre os times de Alagoas e jogadores importantes que passaram pelo Estado.

O Brasil foi campeão mundial de futebol em 1958 e Dida estava no elenco. Dali, vieram camisas assinadas pelos alagoanos da Seleção (Dida e Zagallo), além de outros craques como o adolescente Pelé.

Inauguração do museu com a presença de Zagallo (de gravata vermelha) e Dida (que puxa para cima a fita) – Arquivo Pessoal – 1993

No fim dos anos 60 e começo dos anos 70, Lauthenay fotografou toda a construção do Estádio Rei Pelé e mantém os registros até hoje. Esteve no jogo de estreia, em que o Santos de Pelé venceu a Seleção Alagoana.

“Hoje, me sinto recompensado quando vejo as coleções de revistas esportivas, o meu trabalho todo no museu. Eu acredito que vou deixar muitas coisas [para as próximas gerações], principalmente em termos de revista, livros e fotografias”, diz.

Dos muitos itens que estão guardados, destacam-se a camisa que Pelé utilizou no dia da inauguração do Estádio Rei Pelé, assinada pelo Rei. Estão também a faixa de Campeão do Mundo de 1958 de Dida, as fotografias dos elencos dos principais times de Alagoas.

Lauthenay Perdigão com parte dos 10 mil itens que reuniu ao longo da vida sobre futebol – Arquivo pessoal

O museu está localizado dentro do estádio Rei Pelé desde 1993. Antes da pandemia, sempre estava lá. Pela idade, precisava ser levado pelas filhas ou netas para o espaço.

Semanalmente, Lau era consultado por jornalistas de Alagoas ou curiosos do esporte, interessados em saber sobre as tantas histórias que ele tinha para compartilhar. “O que eu mais sinto falta hoje em dia é ir ao museu. Passei a maior parte da minha vida indo para lá, juntando todos esses itens”.

]]>
0
Não sei mais rir, diz alagoana que sobreviveu a ataque alemão na 2ª Guerra https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/06/18/nao-sei-mais-rir-diz-alagoana-que-sobreviveu-a-ataque-alemao-na-2a-guerra/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/06/18/nao-sei-mais-rir-diz-alagoana-que-sobreviveu-a-ataque-alemao-na-2a-guerra/#respond Tue, 18 Jun 2019 12:04:49 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2019/06/walderez-10-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=3899 Josué Seixas

MACEIÓ Os olhos atentos e a voz pausada da alagoana Walderez Moura Cavalcante, 81, não deixam transparecer a memória da infância marcada pela Segunda Guerra Mundial. Ela diz ainda se lembrar do apito, da fumaça e da caixa de madeira que guardava leite condensado na qual se apoiou quando ficou no mar à deriva, aos quatro anos de idade.

No dia 17 de agosto de 1942, o navio Itagiba, em que ela e o pai estavam, foi torpedeado pelo submarino alemão U-507 no litoral baiano, próximo a Morro de São Paulo.  O episódio repercutiu no país. Pouco tempo depois, o Brasil entrava na Segunda Guerra Mundial.

Reprodução do navio Itagiba, foi torpedeado pelo submarino alemão U-507 no litoral baiano, próximo a Morro de São Paulo – Crédito: Divulgação

Walderez diz que pouco sorri desde o episódio, mesmo após sete décadas. “Eu sempre digo que não sei mais rir. Há uns 15 anos eu não conseguia falar sobre essa história, nem relembrar, só chorava”.

A menina Walderez viajava com o pai Otávio, do Rio de Janeiro para Maceió. Conta que não conseguiu perceber muito do bombardeio, só o desespero do pai, as instruções quando foi jogada ao mar. Diz se recordar da demora do resgate e das próprias mãozinhas segurando a caixa com todas as forças, os destroços da embarcação.

A sobrevivente conta que estava no navio e, ao ser atacado, correram para uma baleeira (bote salva-vidas). “Deixaram uma caixa de leite condensado vazia dentro dessa baleeira. O mastro do navio, com o bombardeio, partiu a baleeira ao meio. Só que, antes de isso acontecer, alguém me sentou dentro do caixote, disse: ‘Segure. Não solte’, e me jogou ao mar. Não lembro mais de coisa alguma”.

Walderez, resgatada, com o pai no hospital

Além do Itagiba, o navio Arará, que estava logo atrás, também foi bombardeado. O resgate veio horas depois, com outro barco, o Aragipe, embarcação grande que recolheu os sobreviventes. No meio deles estava Otávio, pai de Walderez.

Até ali, ninguém sabia onde a menina estava. ‘Me joguem na água’, disse Otávio, ‘porque não quero sobreviver’. Motivadas pelo desespero do pai, as buscas continuaram.

“Foi quando avistaram, muito longe, uma coisa boiando e não sabiam o que era. Foram atrás e, quando chegaram lá, surpresa: eu estava dentro da caixa de leite condensado”.

Demorou muito, entretanto, para que pai e filha se encontrassem. Nenhum sabia que o outro estava vivo e talvez continuasse sem saber, não fosse uma fratura sofrida por Walderez, quando caiu de uma escada na casa do prefeito de Valença-BA.

“Quebrei o braço e não havia tratamento na cidade. Quando fui ao hospital português, lá estava o meu pai. Ali, sim, eu fiquei feliz. Meu pai, para mim, era tudo na vida. Meu pai era meu porto seguro, era tudo o que pudesse imaginar”.

Jornal da época registra ataque e estampa foto de Walderez criança, à direita, com uma freira

Walderez voltou para Maceió um pouco depois, e o pai seguiu em tratamento. Dentro da casa da família Cavalcante, o assunto se tornou proibido. “A recomendação dos médicos era de que não falasse. Eu fui proibida de falar. Na minha casa, ninguém falava. Ninguém chegava e conversava. Na época, era assim: conversa de mais velho, criança não escuta. Se a conversa era aqui, a gente passava por lá”.

Nem os colegas da faculdade que cursou, de psicologia, nem os amigos do trabalho no INSS souberam do episódio.
“Por causa de um trabalho [de faculdade] da minha sobrinha, comecei a contar. E daí comecei a desenrolar a coisa, comecei a falar e, de falar, a coisa foi melhorando. Não é que tenha passado. Não passou. Só melhorou bastante”.

Dez anos depois, ela salvou-se de mais um acidente quando a família foi morar no Rio de Janeiro. Algo a impediu de ir com a mãe, um irmão e uma irmã para Anchieta, no dia 4 de março de 1952. Foram 119 mortos e aproximadamente 250 feridos no acidente ferroviário. A mãe e o irmão morreram; a irmã ficou em estado grave no hospital Getúlio Vargas.

“Meu propósito… Não sei. É muito difícil. Por que Deus lhe coloca uma situação, lhe livra de algo que não temos pelo que chorar, porque ninguém vai atender, ninguém a pedir socorro, e de repente lhe devolve a vida? Por quê? Não sei. Dá para entender o que aconteceu, se acreditar que tem algo superior que traça a sua vida. Eu acredito. Acredito muito em Deus”.

A sobrevivente da tragédia, hoje, com 81 anos, em Maceió – Crédito: Josué Seixas/Folhapress

Ainda assim, seguiu com a vida. Atuou como psicóloga até se aposentar. Casou-se com Genésio, falecido há 13 anos, e criou três filhas.

Fica quase o dia inteiro fora de casa, entre atividades do coral, saídas com a filha e com as amigas. Setenta anos depois, chegou a visitar a praia onde foi resgatada na infância e que teve papel decisivo na entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Mas nunca mais entrou no mar.

]]>
0