Brasil https://brasil.blogfolha.uol.com.br Histórias e personagens pelo país afora Thu, 28 Oct 2021 12:12:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Vânia Oliveira, a artesã alagoana que ganhou título ‘mestre imortal’ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/10/21/vania-oliveira-a-artesa-alagoana-que-ganhou-titulo-mestre-imortal/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/10/21/vania-oliveira-a-artesa-alagoana-que-ganhou-titulo-mestre-imortal/#respond Wed, 21 Oct 2020 14:46:11 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/VANIA7-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4097 Kátia Vasco

MACEIÓ Aos 63 anos e 38 de ofício, a artesã alagoana Vânia de Oliveira Santos tornou-se Mestre Imortal do Brasil, título conferido em setembro pela seção brasileira da IOV World (Organização Internacional de Folclore e Artes Populares), filiada à Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

O trabalho de Vânia Oliveira tem como principal motivo os folguedos de Alagoas, na busca de manutenção da história e das danças folclóricas. O colorido chapéu de guerreiro é a sua marca. A peça, rica em referências locais, já lhe deu o título de patrimônio vivo de Alagoas em 2015 e, em 2020, o de mestra artesã.

A mãe e a avó eram bordadeiras e costureiras, mas ela achava que não tinha jeito para trabalhos manuais. “Eu gostava mesmo era de jogar bola. Fui da primeira seleção alagoana de basquete”.

Vânia abandonou o esporte e casou-se aos 17 anos. Reconheceu a vocação pela arte ao fazer lembranças de aniversário da filha mais velha e os jogos e brinquedos pedagógicos para a escola que a irmã dirigia.

Escolheu o tema folguedos, que são festas populares que fazem parte do folclore no Nordeste, envolvendo música, dança e teatro. “Sempre gostei dos folguedos. Eu brinquei pastoril e guerreiro, mas meu pai não gostava, então eu brincava na escola, onde ele não via”.

Bumba meu boi, um dos símbolos do folclore no Norte e Nordeste do país presentes na obra da artista

Manter viva a cultura passou a ser prioridade. Produzir as peças, no entanto, era pouco. Ela passou a ensinar o ofício. “Sinto que através do repasse eu não deixo a cultura morrer e sei que meus alunos serão mestre. Já tenho aluno mestre”. Para aperfeiçoar a didática, decidiu fazer curso superior à distância e formou-se em pedagogia aos 52 anos.

Decidiu trabalhar pela valorização do artesão, chegou à presidência da Falarte  (Federação dos Artesãos de Alagoas), participou da construção do Plano Nacional do Artesanato, do extinto Ministério da Cultura, em 2010, e contribui , junto a pesquisadoras da UnB (Universidade de Brasília), do Estudo do ecossistema de inovação do artesanato.

Mestre Vânia trabalha com o tema dos folguedos; é artesã há 38 anos.

Mestre Vânia afirma que a sua principal preocupação hoje é com a sobrevivência do artesão, agravada pela pandemia. “Fomos os primeiros a parar e seremos os últimos a voltar. Durante o ano são realizadas quatro feiras nacionais e até o momento não houve nenhuma. Se houver uma no final do ano, como o artesão vai participar? Que incentivo recebemos?”.

Mas ainda há espaço para mais planos. “Meu sonho é ver o reconhecimento do artesão. O artesanato é valorizado, mas o artesão precisa de reconhecimento. O artesanato faz parte da cadeia produtiva do turismo. Por isso tem que ter um olhar para esse profissional”.

O título de mestre imortal é concedido a artesãos reconhecidos e outorgados com títulos de Mestres da Cultura Popular em suas localidades. “Serve de incentivo a milhares de mestres deste Brasil que estão por aí se empenhando para não deixarem desaparecer a cultura de seus antepassados”, afirma o presidente da organização no Brasil, Clerton Vieira.

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Lauthenay Perdigão, o alagoano amigo de Dida com 10 mil itens sobre futebol https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/09/30/lauthenay-perdigao-o-alagoano-amigo-de-dida-com-10-mil-itens-sobre-futebol/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/09/30/lauthenay-perdigao-o-alagoano-amigo-de-dida-com-10-mil-itens-sobre-futebol/#respond Wed, 30 Sep 2020 16:05:44 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/dida-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4086 Josué Seixas

Maceió Futebol e o hábito de colecionar atraíram logo cedo a atenção de Lauthenay Perdigão. Ainda menino, tratava pedras e tampas de garrafa como se fossem bolas. Tinha grandes amigos nos rachas disputados na Praça dos Martírios, no centro de Maceió. Entre eles Edvaldo, mas ninguém o chamava assim. Era Dida, que veio a se tornar um dos maiores artilheiros do Flamengo e ídolo de Zico. Lau e Dida tiveram o começo da trajetória no futebol parecida.

Aos nove, pouco depois de se tornar amigo de Dida, Lau começou a colecionar revistas. Na mente do menino, a palavra colecionador ainda não havia se formado. Só foi uma coisa que ia lendo e guardando em casa. “A minha história de colecionador começa quando surgiu a Revista Ilustrada. Foi a primeira revista que comecei a colecionar”, lembra seu Lau, hoje com 86 anos.

E não parou mais. As camisas, flâmulas, fotografias, revistas e livros somam mais de dez mil itens, todos guardados no Museu Edvaldo Alves de Santa Rosa, em Maceió. Foi uma homenagem de Lauthenay a Dida.

Itens que o amigo Dida mandava para Lauthenay estão hoje reunidos em museu – Arquivo pessoal

Lau passou a jogar no time de aspirantes do CSA, assim como Dida, nos anos 50. O último, entretanto, teve mais sucesso: era artilheiro, craque, virou profissional e chamou atenção de times pelo Nordeste. Na época, ele dizia que só sairia de Alagoas se fosse para jogar no Flamengo. A proposta veio em 1954 e os amigos se separaram, mas mantiveram o contato.

 

Só que, conforme Dida era estrela no Rio de Janeiro, Lauthenay ganhava itens para guardar em seu acervo. Camisas, flâmulas, fotografias, todas enviadas pelo craque do Flamengo. Guardar as capas de revistas em que o amigo era protagonista também se tornou parte da rotina. Ao desistir do futebol ainda na juventude, Lauthenay utilizou as informações que tinha para contar histórias. Era bancário e jornalista.

 

O jornalismo, na verdade, era a atividade das horas livres, como os intervalos para almoço e antes e depois do expediente. Nesse tempo, fazia pesquisas sobre os times de Alagoas e jogadores importantes que passaram pelo Estado.

O Brasil foi campeão mundial de futebol em 1958 e Dida estava no elenco. Dali, vieram camisas assinadas pelos alagoanos da Seleção (Dida e Zagallo), além de outros craques como o adolescente Pelé.

Inauguração do museu com a presença de Zagallo (de gravata vermelha) e Dida (que puxa para cima a fita) – Arquivo Pessoal – 1993

No fim dos anos 60 e começo dos anos 70, Lauthenay fotografou toda a construção do Estádio Rei Pelé e mantém os registros até hoje. Esteve no jogo de estreia, em que o Santos de Pelé venceu a Seleção Alagoana.

“Hoje, me sinto recompensado quando vejo as coleções de revistas esportivas, o meu trabalho todo no museu. Eu acredito que vou deixar muitas coisas [para as próximas gerações], principalmente em termos de revista, livros e fotografias”, diz.

Dos muitos itens que estão guardados, destacam-se a camisa que Pelé utilizou no dia da inauguração do Estádio Rei Pelé, assinada pelo Rei. Estão também a faixa de Campeão do Mundo de 1958 de Dida, as fotografias dos elencos dos principais times de Alagoas.

Lauthenay Perdigão com parte dos 10 mil itens que reuniu ao longo da vida sobre futebol – Arquivo pessoal

O museu está localizado dentro do estádio Rei Pelé desde 1993. Antes da pandemia, sempre estava lá. Pela idade, precisava ser levado pelas filhas ou netas para o espaço.

Semanalmente, Lau era consultado por jornalistas de Alagoas ou curiosos do esporte, interessados em saber sobre as tantas histórias que ele tinha para compartilhar. “O que eu mais sinto falta hoje em dia é ir ao museu. Passei a maior parte da minha vida indo para lá, juntando todos esses itens”.

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Ex-cortador de cana, alagoano já produziu 6.000 rabecas na vida https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/06/30/ex-cortador-de-cana-alagoano-ja-produziu-6-000-rabecas-na-vida/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/06/30/ex-cortador-de-cana-alagoano-ja-produziu-6-000-rabecas-na-vida/#respond Tue, 30 Jun 2020 14:39:07 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/rabeca.jpeg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4060 Josué Seixas

Maceió O menino do canavial que um dia foi Nelson do Santos sente saudade de tocar a rabeca e de receber visitas. Pelo telefone, o homem de 79 anos ainda se faz criança: conversa com alegria, cheio de histórias, e lembra que já produziu mais de 6.000 rabecas nos últimos 25 anos. Antes disso, lembra Nelson, lhe competia ser cortador de cana nos interiores de Alagoas. Era uma rotina de quatro dias de trabalho para três de descanso.

O primeiro contato com a rabeca veio quando Nelson tinha 54 anos. Ele sempre assistia às pessoas tocando violino pela TV quando estava fora do canavial. Resolveu que deveria fazer um instrumento e começar a tocar, mesmo sem ter muito ideia de como deveria ser o processo. Botou na cabeça que daria certo. E deu. Um mês depois, fez seu primeiro show.

Ex-cortador de cana, Nelson da Rabeca produziu exemplares do instrumento em 25 anos de ofício

“Quando eu comecei a tocar, passei a ganhar mais dinheiro do que naqueles dias que trabalhava no canavial e aí deixei de ir para lá. As pessoas acham que eu sou bom e eu acho que sou também, mas nunca pensei que as coisas iam ser desse jeito porque eu só saí testando as coisas até achar a minha tonalidade, mas deu certo. É o que eu gosto de fazer”, conta Nelson.

Para o primeiro instrumento, o processo se desenhou: pegar a madeira e modelá-la a partir de lixas e colagens. A montagem viria depois, lá pelo terceiro ou quarto dia do projeto, em que eram colocadas as cordas de viola. No começo, Nelson sequer sabia que já existia um instrumento chamado rabeca. Fez a dele por intuição porque realmente queria algo que parecesse o violino que admirava.

Nelson não estava sozinho na empreitada. Casado com Benedita Duarte desde os 19 anos, ele encontrava nela a força para seguir em frente. Completaram 60 anos de casados durante a pandemia, por exemplo. Ele trabalhava no canavial e ela tentava arrumar emprego com o que pudesse, inclusive no corte de cana.

Nelson sequer foi à escola. Não sabia ler ou escrever, assim como Benedita. Criaram os 10 filhos no instinto e na memória (um deles já falecido). É Nelson quem compõe o som das músicas. Benedita, que não sabia desenhar as letras num papel, imaginava todas as composições na cabeça enquanto estava nos canaviais. Cantarolava todas no sol quente, entre os cortes da cana, para ver se o dia ficava mais leve. Decorou quase todas e só depois de muito tempo teve coragem de cantá-las.

“A gente sempre foi assim, muito próximo. Às vezes, os aviões passavam por cima da gente, quando estávamos no canavial, e eu ficava pensando: ‘Que loucura é esse povo que confia em voar’. Eu mesma não tinha coragem de fazer isso. E aí Deus muda a vida da gente, começamos a viajar pelo mundo, tocando na Noruega, na África, sem ter ideia do que eles falavam para a gente”, lembra Benedita.

Casados há 60 anos, Benedita ajuda a compor as letras das canções de Nelson da Rabeca

Durante entrevista por telefone para a reportagem, Nelson e Benedita cantaram e tocaram. Estavam com saudades de receber alguém em casa, mesmo que de maneira virtual. Lembraram até que só em 2015 aprenderam a escrever os próprios nomes, com ajuda das filhas Eliene e Maria Claudete. Cheios de sorrisos, se distraem com o que a vida impõe.

“Se tem uma coisa que eu aprendi é que não dá para ser de um jeito só. Tem que estar preparado para fazer qualquer coisa em todo canto. Comigo, foi tocar em outros países e cidades longe de casa”, diz Nelson.

Ele nasceu em Joaquim Gomes, no interior de Alagoas, e hoje vive em Marechal Deodoro, também no Estado. Nelson dos Santos se tornou Nelson da Rabeca, patrimônio vivo de Alagoas. O menino que saiu do canavial tornou-se eterno.

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Surddy, o palhaço surdo pernambucano que se comunica por Libras nos palcos https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/01/22/surddy-o-palhaco-surdo-pernambucano-que-se-comunica-por-libras-nos-palcos/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/01/22/surddy-o-palhaco-surdo-pernambucano-que-se-comunica-por-libras-nos-palcos/#respond Wed, 22 Jan 2020 12:04:56 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/surdo13-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4037 Josué Seixas

MACEIÓ A ideia veio há dez anos. O pernambucano Igor Rocha, então com 21 anos, assistia a uma peça e não entendia quase nada. Surdo, pensou em desenvolver-se pela arte com o apoio da Libras para quem na plateia, como ele, não podia escutar.

Interessado em crescer enquanto artista, Igor investiu nos estudos. Da parceria com a diretora Andreza Nóbrega, atriz especializada em educação inclusiva, brotou o personagem de Igor, o palhaço Surddy.

Ideia do personagem surgiu há dez anos, quando assistiu a uma peça e não conseguiu entender os atores, por ser surdo

Assim também foi estabelecida a dinâmica de como seriam suas peças –um jogo de corpo, luzes e expressões com a plateia, misturados a um figurino colorido. Encontrou na arte circense o caminho para se comunicar sendo surdo, “porque as expressões visuais e corporais são mais valorizadas em Libras”.

Igor inspirou-se em Charlie Chaplin, Jim Carrey e Mr. Bean para contar suas histórias. Então, em seus espetáculos, existem apenas três sons: os movimentos de Igor, como quando corre pelo palco batendo os pés; as risadas de crianças e adultos; aplausos ao final.

“Decidi fazer peças totalmente acessíveis porque nós, como surdos, sofremos sem acessibilidade e perdemos informações. Já entendemos como é sentir espetáculos sem acessibilidade, por isso queremos que todo mundo se sinta incluído e feliz por ter oportunidade igual com as demais pessoas sem deficiência”, conta.

O artista já esteve em shows por Pernambuco, Ceará e São Paulo. Nas apresentações, há participação do público surdo. Alguns assistiram a mais de uma vez às peças.

A formação enquanto palhaço foi longa. Começou com a graduação em Letras-Libras, depois oficinas com Rapha Santacruz (mágico), Giulia Cooper (palhaça) e Marcelo Oliveira (artista), além do acompanhamento da VouVer Acessibilidade.

Para Igor, entretanto, esse é um caminho difícil porque há poucas oportunidades de formação – falta acessibilidade e acompanhamento. “Na minha vida, sempre tive dificuldades porque sociedade não está preparada para receber surdos nem entender as nossas necessidades. Por exemplo, ainda está em falta intérpretes de Libras em todos lugares e nos espaços culturais ainda são poucas as iniciativas. A falta de entendimento que a pessoa surda é capaz é uma grande obstáculo para que possamos viver e fazer arte”.

O ator na peça“A Chegada”, que atua com ajuda da Libras para compreensão do público surdo

No espetáculo, o cenário de Igor usa poucos elementos. Uma flor, uma cadeira, um vaso e uma mesa se destacam, além do cavalete que acompanha o Palhaço Surddy, que usa até mesmo o nariz vermelho clássico.
A peça, intitulada de “A Chegada”, apresentada em 2019, é para todos os públicos. Já rodou o Brasil – se apresentou em São Paulo, Recife e Fortaleza, por exemplo.

Ele agora vive em Arapiraca, interior de Alagoas, e trabalha como professor e ator. Sempre tem no rosto uma expressão serena, satisfeito em levar às pessoas alegria, sentimento e uma comunicação acessível.

“Meu objetivo é que todas as pessoas entendam que a inclusão precisa acontecer de verdade, que as pessoas ouvintes e surdas possam conviver, aprender juntas. É isso o que nós sentimos no processo de montagem e nos espetáculos do Surddy”.

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Poeta matuto de Alagoas, cordelista Jorge Calheiros, 80, tem 226 títulos publicados https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/12/19/poeta-matuto-de-alagoas-cordelista-jorge-calheiros-80-tem-226-titulos-publicados/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/12/19/poeta-matuto-de-alagoas-cordelista-jorge-calheiros-80-tem-226-titulos-publicados/#respond Thu, 19 Dec 2019 12:55:52 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2019/12/cordelista4-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4028 Josué Seixas

MACEIÓ Eram 14h de sábado e Jorge Calheiros estava com um martelo e um prego nas mãos porque precisava pendurar uma foto nas paredes de casa. Com as mãos, disse ele, precisava fazer mais do que escrever. Na mente é que guarda o talento. São 226 cordéis escritos ao longo dos 80 anos e 96 deles estão na ponta da língua.

Nascido no município de Pilar, o cordelista e poeta Jorge Calheiros é patrimônio vivo de Alagoas desde 2011. São 68 anos escrevendo. O interesse pela poesia veio da alma e das coisas que a vida jogava em si.

O cordelista alagoano Jorge Calheiros, 80, já escreveu 226 cordéis

Aos 7, conta Jorge Calheiros, sonhava em conhecer uma escola. Poderia ser qualquer escola. Como estudante, nunca entrou em uma. Aprendia em casa, junto a seis irmãos, quando a irmã Zilda chegava das aulas. Tornou-se alfabetizado assim.

“Eu chorava e pedia ao meu pai para me deixar entrar na escola. Só que ele dizia que, se eu entrasse, eu teria outro motivo para chorar. Eu nunca poderia entrar na escola de novo, não tínhamos dinheiro para pagar. Meu pai juntou a família e tentamos ver qual dos filhos teria mais sucesso se fosse para a escola. Escolhemos a Zilda. Sete irmãos trabalhavam para que essa minha irmã estudasse e nos ensinasse depois”, revelou.

À época, Jorge trabalhava ajudando o pai, catando madeira no meio da mata para fazer carvão. Na vida, teve experiências como marceneiro, pedreiro, dono de casa de cópias – foi andarilho no Nordeste para achar emprego.

Começou a escrever os cordéis aos 12, ao ouvir as histórias que alguns homens liam à beira de uma fogueira, tarde da noite, após um dia de trabalho. Não sabia que era bom naquilo.

Só descobriu aos 18, numa viagem a Sergipe, quando um homem leu os textos e pagou por eles. Se ganhava dinheiro, tinha talento e precisava investir nele. Naquele tempo, ainda chamavam os cordéis de “livros de histórias”. ‘A poesia, a lenda, era história’, definiu Jorge.

Jorge Calheiros ganhou o título de patrimônio vivo de Alagoas em 2011

“Nunca estudei em escolas, mas sempre li muito. Fazer cordel é entender a história do Brasil, do nosso Nordeste, saber contá-la com estética e métrica. Falo sempre que é importante saber contar a desgraça com graça. Por isso, pessoas com mais estudo e condições do que eu vêm e compram minhas obras”, disse.

É essa vontade e inveja de não ter ido à escola que faz Jorge ajudar estudantes carentes de Alagoas. Ele custeia o material das crianças, “para formar mais pessoas que produzam cultura”, para que tenham uma chance como ele teve.

Pai de oito filhos e viúvo, Jorge deve à esposa o cordel que mais vendeu. Em uma discussão dentro de casa, a esposa o chamou de feio e ele a chamou de feia. Daí, nasceu “Mulhé Feia”.

“Preciso só de uma palavra para escrever um cordel. Minha mulher era a mais bonita do mundo, foi meu amor, mãe dos meus filhos, minha companheira”, parou, meio emocionado e emendou: “Quando comecei a escrever, ela rasgou o livro três vezes. Fui, escrevi escondido, ganhei três mil reais e dei dois mil a ela, nunca mais reclamou”, finalizou Jorge, rindo.

Calheiros já se apresentou em vários estados do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco. Nas palestras, as pessoas sempre se surpreendem quando ele entra.

“Quando veem meu currículo, as pessoas pensam que vou chegar todo bem vestido, de terno e gravata. Aí eu entro, bem simples, converso com todo mundo, roupas confortáveis. É o jeito que gosto.”

Aos 80 anos, o alagoano Jorge Calheiros recita seus textos com facilidade. Consegue explicá-los fazendo alusão aos ritmos de Luiz Gonzaga, Cara Véia, Caju & Castanha, Teixerinha, por exemplo. Elegante, é ele mesmo quem produz os próprios cordéis. Imprime, recorta, cola e, de vez em quando, até desenha as caricaturas que os acompanham.

Sentado em uma cadeira antiga, feita de madeira, e com uma luz fazendo as vezes de luminária, Jorge pega a caneta e tece mais algumas palavras para o próximo cordel. Feito teia de aranha, diz ele, uma palavra puxa a outra e a sustenta. É assim que vive. É por isso que não esquece os textos com o tempo.

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A vida de Teófanes Silveira, o palhaço Biribinha, patrimônio vivo de Alagoas https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/10/21/a-vida-de-teofanes-silveira-o-palhaco-biribinha-patrimonio-vivo-de-alagoas/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/10/21/a-vida-de-teofanes-silveira-o-palhaco-biribinha-patrimonio-vivo-de-alagoas/#respond Mon, 21 Oct 2019 11:02:32 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/biribinha-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=3986 Josué Seixas

MACEIÓ Em 1958, Teófanes Silveira, baiano de Jequié, chorou em cima do palco. Tinha sete anos quando assustou-se com os olhos da multidão e o riso de outras crianças como ele na plateia. Naquele palco em Angra dos Reis, nascia o palhaço Biribinha.

Chamava-se assim porque era magrinho, pequenininho e era filho do Biriba. Tinha de ser Biribinha. Aos 68, Teófanes tem hoje residência fixa em Arapiraca, interior de Alagoas, mas roda o mundo inteiro desde que seu pai decidiu abandonar o curso de direito para viver do circo.

Foi ali que começou a geração dos Silveira na arte circense. Agora, a quinta geração da família está prestes a despontar.

“Meu pai foi meu grande professor. Ele me ensaiava, me dirigia. Antes de ser o Palhaço Biribinha, fiz dois espetáculos com ele. Então, meu pai chegou e disse: ‘Você acaba de testar os dois lados diferentes da mesma moeda. Quem consegue fazer rir e fazer chorar, tem que ser palhaço’, então me jogou no picadeiro e no palco, as minhas duas escolas”, conta o artista.

Depois de uns anos longe do circo, Teófanes retomou em 2006 o ofício de palhaço

O pai de Teófanes, Nelson Silveira, aproveitou bastante a época do circo no Brasil. Começou na Bahia, depois foi para Minas Gerais, São Paulo, Minas Gerais de novo e Rio de Janeiro.

Lá, conta, a família passou por uma das situações mais tensas. Era a época da ditadura Militar e a repressão estava em alta. Nelson, que já tinha 26 obras de teatros registradas, achou melhor sair dali e voltar para o Nordeste. O pai morreu em 1977. Teófanes, então, tornou-se o diretor do circo e da família.

“Aquele dia foi muito triste. Eu estava maquiado de Biribinha, preparado para começar o espetáculo, tudo cheio, não cabia mais gente. Peguei o bilhete, li, coloquei no bolso de palhaço, chamei meu irmão e mandei anunciar o início do espetáculo. As coisas da vida são assim.”

Teófanes seguiu com o circo até 1986, quando resolveu baixar a lona e encerrar as atividades do Circo Mágico Nelson.

Depois de alguns anos, criou um novo circo. Estava casado, já era pai de quatro filhos, e vivia viajando entre os estados do Nordeste para se apresentar. As crianças, entretanto, não se adaptaram à vida das viagens. Teófanes desistiu do circo e resolveu morar definitivamente em Arapiraca.

“Tive que aprender a me adaptar e me tornei pioneiro em alguns pontos artísticos e culturais dessa cidade. Comecei a fazer teatro nas escolas, fazer festas de recreação, oficinas de palhaço, falava sobre circo-teatro nas escolas, trabalhei na Secretaria de Cultura. Já fui até Papai Noel no Natal. E com isso criei meus filhos.”

Só em 2006 que Teófanes voltou à rotina. Foi a Curitiba, para um festival, sem qualquer garantia de dinheiro. “Eram R$ 15 se a pessoa trabalhasse no dia. Se não, ficava com fome. Saí de lá com seis festivais contratados e não parei mais”. O espetáculo foi para a Europa e para o Canadá.

Palhaço Biribinha em uma de suas apresentações

O Palhaço Biribinha foi considerado patrimônio vivo de Alagoas em 2010. Ele recebeu o Prêmio Governador do Estado para Cultura 2015, na categoria Circo – júri popular, com 58% dos votos. Teófanes, entretanto, não pensa em parar. Gosta é de passar o conhecimento.

“Nunca paguei por nada do que aprendi e não estou cansado. Tenho toda uma eternidade para descansar. Daqui a pouco chego aos 70 de idade e isso ainda é pouco para tanta coisa que eu fiz e que ainda tenho para fazer.”

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A saga do juiz que reuniu 3.000 obras sobre Alagoas https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/08/08/a-saga-do-juiz-que-reuniu-3-000-obras-sobre-alagoas/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/08/08/a-saga-do-juiz-que-reuniu-3-000-obras-sobre-alagoas/#respond Thu, 08 Aug 2019 12:02:33 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/maceio-320x213.jpeg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=3945 Wagner Chevalier

MACEIÓ A união de duas paixões –o direito e a história– motivou o juiz e historiador alagoano Claudemiro Avelino de Souza a iniciar uma “via-crúcis” à procura de livros raros em sebos locais e de outros estados.

Era um projeto pessoal para resgatar a memória da Justiça em Alagoas, mas, durante as pesquisas, algumas “gratas surpresas” revelaram outro caminho.

O resultado é que hoje sua coleção sobre o universo alagoano ou com escritores do estado já conta com cerca de 3.000 obras, do total do seu acervo, de cerca de 12 mil livros.

Entre as preciosidades, está ‘Terra das Alagôas’, obra de 1922, de AD. Marroquim, editado em Roma pela Editori Maglione & Strini, quando se celebrava o 4° Centenário do Descobrimento do Brasil. O livro é uma das obras preferidas, segundo ele, pela densidade de informações e riqueza de imagens.

‘Terra das Alagôas’ (1922), de AD. Marroquim

“Despertei para a formação de um acervo de obras produzidas por alagoanos e sobre Alagoas – de todo e qualquer gênero de literatura produzida desde o século 19. Tive gratas surpresas e sorte nessa caminhada, pois, fui refinando o olhar para obras raras e desconhecidas, e de autoria de historiadores, juristas, poetas e literatos de um modo geral.”

Dos escritores alagoanos que o juiz resgatou, está um exemplar de 1922 de “Judas Isgorogota”, pseudônimo do poeta e jornalista Agnelo Rodrigues de Melo (1898-1979). De 1922 a 1973, produziu pelo menos duas dúzias de livros de poesias, inclusive infantis, além da novela humorística João Camacho, editada em 1938 e da colaboração para jornais do estado e nacionais.

Obra de 1922 de “Judas Isgorogota”, pseudônimo do alagonao Agnelo Rodrigues de Melo

Também há espaço, nas estantes, para coletânea de 1959 de poetas alagoanos, como Jorge de Lima, Jayme de Altavilla, Goulart de Andrade, Sabino Romariz, Matheus de Albuquerque e Silvestre Péricles. E ainda para a História do Estado, na obra “Alagoas e a Revolução”, do ano de 1933.

Parte dos 3.000 livros que falam sobre o estado ou que foram escritos ou traduzidos por alagoanos

Entre as obras raras do universo jurídico, está a segunda edição (1871) do ‘Vade Mecum Jurídico’, de autoria de José Próspero Jeová da Silva Caroatá, nascido em Penedo, Alagoas (a primeira edição é de 1866). “É uma obra que foi utilizada em todo o Brasil e, pela sua importância, foi reeditado por quase 50 anos”.

A coleção conta, ainda, com uma das primeiras obras de âmbito nacional sobre Processo Civil, de autoria de outro penedense Francisco Ignácio de Carvalho Moreira, o Barão de Penedo, entre outras obras históricas.

Outa joia são os dois volumes do juiz Francisco Luiz Corrêa de Andrade, da antiga Alagoas do Sul (hoje município de Marechal Deodoro), que comentou o Código de Processo Criminal do Império do Brasil nos idos de 1880.

Além do universo jurídico, a coleção inclui obras como o “Tratado da Educação das Meninas”, obra de Fenelon, traduzida do francês pelo alagoano Silva Titara, e publicada em 1833; ‘O bispo do Pará e a missão à Roma’, que foi publicada em Lisboa, pelo Barão de Penedo, em 1887.

“Tratado da Educação das Meninas”, traduzido para o português pelo professor alagoano José Correia da Silva Titara, e publicado no Brasil em 1833

E, ainda, obras do gramático e poeta Alexandre Passos, considerado o “Pai da Filologia” alagoana, por trabalhos como o “Compêndio da Gramática Portuguesa” (1848); “Dicionário Gramatical Português” (1865); “Gramática Filosófica” (1871); e “Táboas Gramaticais das Desinências Latinas ou Compêndio Auxiliar para o Estudo Latim”(1869).

Ele guarda algumas das raridades em seu apartamento, na capital, Maceió. A maior parte, porém, preserva no sítio em Penedo, no Baixo São Francisco. Nesta cidade, em cuja comarca atua há cerca de 20 anos, ele construiu um ateliê para restaurar e garantir a conservação dos livros.

O plano, no futuro, é deixar o acervo disponível ao público na forma de uma biblioteca. O local ainda não foi definido. Entre as opções cogitadas, estão a Academia Alagoana de Letras e Artes de Magistrados, a Escola Superior da Magistratura e a Fundação Casa do Penedo.

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