Brasil https://brasil.blogfolha.uol.com.br Histórias e personagens pelo país afora Thu, 28 Oct 2021 12:12:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Imperatriz do Brasil dá nome a distrito no Paraná que abrigou franceses https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/10/28/imperatriz-do-brasil-da-nome-a-distrito-no-parana-que-abrigou-franceses/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/10/28/imperatriz-do-brasil-da-nome-a-distrito-no-parana-que-abrigou-franceses/#respond Thu, 28 Oct 2021 12:12:47 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/colonia2-320x213.jpeg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4180 Donizete Oliveira

Maringá (PR) O distrito de Tereza Cristina tem 1.700 moradores e fica a 60 quilômetros de sua sede, o município de Cândido de Abreu, na região central do Paraná. O lugar já foi chamado de “terra da imperatriz”. A mulher do imperador dom Pedro 2º nunca esteve lá, mas o médico francês Jean-Maurice Faivre, amigo do casal real, a homenageou dando o nome da imperatriz à localidade.

Faivre conheceu o Brasil em 1826.  Planejava criar uma comunidade sem exploração do homem pelo homem, onde todos pudessem cultivar a terra apenas para a subsistência.

Faivre se inspirou no socialismo utópico, que idealizava uma sociedade ideal. Leitor de Saint Simon, Proudhon e Fourier. Adepto do positivismo de Auguste Comte e admirador da Utopia, de Thomas More.

Em 17 de fevereiro de 1847, um navio partiu da Bélgica e aportou em Antonina, no Paraná. A bordo, além do comandante, estavam Faivre e 63 pessoas, entre adultos e crianças.

Mural em homenagem ao médico Jean-Maurice Faivre – Donizete Oliveira/Folhapress

No lombo de mulas e burros, cortaram a Serra do Mar, chegando a Ponta Grossa. Percorreram em torno de 300 quilômetros até as margens do rio Ivaí, onde fundaram, naquele ano, a Colônia Agrícola Tereza Cristina.

Segundo o historiador Josué Corrêa Fernandes, autor de “Saga da Esperança”, livro que narra a trajetória de Faivre e a construção da Colônia Tereza Cristina, o médico desfez de todos seus bens e com ajuda da imperatriz Tereza Cristina concretizou seu intento.

No livro, ele cita que a colônia abrigava 25 famílias francesas em lotes de cerca de seis alqueires paulistas. Entre os municípios de Cândido de Abreu e Prudentópolis.

Cultivavam café, milho, baunilha, algodão, trigo, feijão, mandioca e cana-de-açúcar. Um modelo de agricultura precursor do cooperativismo paranaense. Apesar da madeira abundante, as casas eram de tijolos e telhas fabricados com barro das margens do rio Ivaí.

Os motivos de a colônia ter fracassado e chegado ao fim em 1892 são analisados na dissertação de pela Unespar (Universidade Estadual do Paraná) do  historiador e professor Roberto Aparecido de Oliveira, 47.

Para ele, alguns fatores contribuíram. Primeiro, a morte de Faivre, em 1858, culminando com a decadência do Império, que previa lugares estratégicos de povoação.

“A política internacional mudou, e o Brasil seguiu uma nova tática de povoamento”, afirma. Uma estrada entre Tereza Cristina e Guarapuava foi abandonada, prejudicando o comércio com aquele município, que era uma das principais fontes de renda da colônia.

O professor cita também a Lei de Terras, instituída no Brasil, em 1850. As propriedades ganharam valor monetário, estimulando o latifúndio e a ação de grileiros. Mas ele afirma que ao menos o sonho de Faivre deve ser preservado.

“Carecemos de um projeto de preservação do local, com visitas guiadas de estudantes e mesmo de quem quer apreciar a natureza”.

Embaixo de alguma frondosa árvore nativa que existe por lá podem estar os restos mortais de Faivre, cujo corpo foi enterrado em lugar incerto na antiga colônia.

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Cidade baiana guarda memória de Lamarca, 50 anos após sua morte na Ditadura Militar https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/09/17/cidade-baiana-guarda-memoria-de-lamarca-50-anos-apos-sua-morte-na-ditadura-militar/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/09/17/cidade-baiana-guarda-memoria-de-lamarca-50-anos-apos-sua-morte-na-ditadura-militar/#respond Fri, 17 Sep 2021 15:17:24 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/lamarca-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4171 Geovana Oliveira
Salvador
Brotas de Macaúbas e Ipupiara são pequenas cidades, separadas por 31 km, no sertão da Bahia. Com cerca de 10 mil habitantes cada, elas estão unidas por uma mesma história durante a Ditadura Militar (1964-1985).

Nesta região, há exatos 50 anos, uma operação matou Carlos Lamarca (1937-1971), capitão que havia desertado do Exército em 1969 e uma das principais figuras da luta armada contra a Ditadura Militar.

Monumento em homenagem a Carlos Lamarca e Zequinha Barreto em Ipupiara (BA) – Jonathan Martins/Divulgação

Meio século depois, Olderico Campos Barreto, 73, conta que ainda recebe pedidos de visita ao local onde tudo aconteceu. Ele é irmão de José Campos Barreto, mais conhecido como Zequinha —companheiro de Lamarca que foi assassinado junto a ele, enquanto descansavam embaixo de uma árvore no dia 17 de setembro de 1971.

“Às vezes me procuram muito, porque a gente tem essa história toda na mão e, ao levar no local onde as coisas aconteceram, a gente percebe que as pessoas se sensibilizam. Ver as marcas deixadas pela ditadura é uma coisa que sensibiliza muita gente”, diz.

Olderico ainda lembra com clareza da operação que aconteceu em 71. “Acho que é mais fácil esquecer o meu nome do que esquecer uma invasão desse tipo na nossa casa. Foi uma bomba”.

Sua casa, no povoado de Buriti Cristalino, foi invadida na manhã de 28 de agosto daquele ano, quando os policiais mataram seu irmão mais novo, de 20 anos, Otoniel Campos Barreto e o professor Luiz Antônio Santa Bárbara. Olderico foi preso e torturado, assim como seu pai, José de Araújo Barreto.

“O terror que ficou na população é uma coisa bem sentida até hoje. Voltei em 88 pra cá. Uma mulher me disse que até hoje quando ela ouve o barulho de helicóptero ainda tem uma diarreia e o povo todinho disse a mesma coisa, ela sintetizou o sentimento do grupo”, conta.

Estátua com Lamarca e Zequinha relembra assassinato, em imagem de 2017 – Divulgação

No último dia 28, Olderico levou dois casais da região de Iraquara, também na Chapada Diamantina, para conhecer Ipupiara.

A operação marcou tanto a população da pequena cidade, que hoje ela guarda um monumento em homenagem a Zequinha e à Lamarca. A estátua, uma imagem de Zequinha carregando no ombro o amigo ferido, fica no povoado de Pintadas, onde morreram. No mesmo local, um Memorial dos Mártires celebra os guerrilheiros.

Erguido em 2010, o memorial foi idealizado pelo bispo da Diocese de Barra, Dom Frei Luiz Cappio. “Um fato tão importante quanto esse, de dois homens serem mortos por causa dos seus ideais de liberdade, não poderia ficar esquecido”, afirma.

Com isso, a ciocese realiza missas aos mártires todo dia 17 de setembro. Nesta sexta-feira (17), duas missas vão ser celebradas — uma em Ipupiara e outra em Buriti, cidade de nascimento de Zequinha.

A data também é feriado municipal tanto em Brotas de Macaúbas, quanto em Ipupiara. Praças e ruas foram nomeadas em homenagem aos guerrilheiros, e as escolas chegam a promover excursões de alunos ao Memorial.

O momento, no entanto, continua sendo mais celebrado pelos adultos que ainda recordam da época. “Os jovens que vão levados pelas escolas têm o conhecimento, mas não sinto a vibração ou o desejo libertário como nos nossos tempos, é tudo mais tranquilo, infelizmente”, diz o bispo Dom Luiz Cappio.

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Rota das Charqueadas em Pelotas (RS) remete o turista ao século 19 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/08/11/rota-das-charqueadas-em-pelotas-rs-remete-o-turista-ao-seculo-19/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/08/11/rota-das-charqueadas-em-pelotas-rs-remete-o-turista-ao-seculo-19/#respond Wed, 11 Aug 2021 12:00:57 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/pelotas-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4158 Luciano Nagel

Pelotas (RS) A rotina dos tropeiros gaúchos, dos negros escravizados e suas tradições pode ser conhecida na rota das charqueadas de Pelotas, a 262 km de Porto Alegre, no sul do estado. Além da produção de doces, que coloca a cidade em destaque do país, Pelotas reúne casarões antigos do século 19 que preservam parte da história do charque (carne bovina seca e salgada) do Rio Grande do Sul.

As charqueadas eram o conjunto de imóveis onde se produzia o charque, muito consumido pelos gaúchos até os tempos atuais. A 15 minutos do centro de Pelotas, o conjunto de casarões, todos em estilo colonial, fica às margens do arroio Pelotas. Parte foi convertida em pousadas e museus.

Charqueada Boa Vista, em Pelotas (RS)

Eram nesses casarões que os tropeiros conduziam o rebanho de gado e abatiam o animal. Do boi era tirado o couro onde era feito a ‘’pelota’’, que era uma pequena embarcação de vara de corticeira (árvore) forrada de couro usada na travessia do arroio (córrego).

Nessa embarcação, puxada a nado por um escravo (que segurava as cordas pela boca), era levado o charque ou, em certa ocasião, até mesmo o patrão, esposa ou filhos para o outro lado da margem do rio. Daí que surge o nome da cidade de Pelotas.

Do gado, se aproveitava além do couro, o pó dos ossos que eram utilizados para fazer fertilizante, o sangue para gelatina e os chifres para várias utilidades como a confecção de pentes e botões, por exemplo.

Já a carne do boi era cortada em mantas, salgada e posteriormente penduradas em varais que ficavam expostas ao sol durante dias até desidratar totalmente. Todo esse processo era exercido por escravos e tinha como objetivo conservar o produto para a comercialização que era vendido para a região central e norte do Brasil, principalmente para a alimentação deles.

Atualmente, a região das charqueadas pode ser visitada pelos turistas. Entre os casarões que estão de portas abertas estão a charqueada Santa Rita, local tornado pousada que mantém a estrutura original de 1826. Próximo ao casarão, há um pequeno museu que resgata a história do charque.

Ao lado da Santa Rita, há outra construção, a charqueada São João, que já serviu de cenário para a gravação da minissérie brasileira ‘’A Casa das Sete Mulheres’’ e o filme ‘’O tempo e o vento’’.

O casarão construído entre 1807 e 1810 ainda conserva o esplendor da época e atualmente é um museu aberto ao público desde o ano 2000. Com guia local, o turista conhece a história do ciclo do charque, o período de escravidão, a rotina dos tropeiros e dos charqueiros.

No local, o turista pode ver os utensílios domésticos que eram usados para a produção do charque, como a pá de sal, que era utilizada pelos escravos para jogar o sal em cima das mantas de carne, as facas (punhais) que serviam para degolar o boi após levar uma marretada na cabeça e ser ferido com lanças nas pernas, além dos ganchos (de ferro), onde os pedaços de carne bovina eram pendurados para depois serem cortados em mantas e posteriormente expostos ao sol.

Parte dos instrumentos usados desde o final do século 19 para produção do charque

A preparação do charque, naquela época, era feita de forma rudimentar: os bois eram mortos a céu aberto, no pátio das estâncias e a secagem da carne era feita ao ar livre.

Não muito longe da São João, fica a charqueada Costa do Abolengo. O local, pouco antes da pandemia do coronavírus, era ponto de festas eletrônicas frequentadas por muitos estudantes universitários e jovens em geral.

Charqueada Costa do Abolengo, na rota das charqueadas, em Pelotas (RS)

Agora, em momento pandêmico, a área está aberta para visitação de famílias com passeio a cavalo, quadras de futebol e tênis, além de cadeiras relaxantes à beira do arroio que são convidativas para o descanso ou uma boa leitura de um livro. O projeto é que o casarão de paredes brancas e janelões verdes se torne em breve uma pousada.

Também na região está a charqueada Boa Vista, construída em 1811. O espaço, nos tempos atuais, é destinado a realização de eventos, como festas de casamentos, formaturas e batizados. Quem visita a mansão ainda tem a oportunidade de tomar um café colonial, fazer um piquenique ou almoçar com a família mediante agendamento prévio.

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Mestre Zé Olhinho, 60 anos de cantoria no bumba-meu-boi do Maranhão https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/07/07/mestre-ze-olhinho-60-anos-de-cantoria-no-bumba-meu-boi-no-maranhao/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/07/07/mestre-ze-olhinho-60-anos-de-cantoria-no-bumba-meu-boi-no-maranhao/#respond Wed, 07 Jul 2021 12:02:20 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/bumba-meu-boi-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4141 Samartony Martins

São Luís Idealizador de uma das mais importantes manifestações culturais do Maranhão, o batalhão do bumba-meu-boi Unidos de Santa Fé, José de Jesus Figueiredo, conhecido carinhosamente pelo apelido de ‘’Mestre Zé Olhinho’’, vive um momento de só gratidão por tudo que a vida lhe reservou.

O cantador, que ganhou o apelido por causa dos olhos pequenos, está comemorando 78 anos de idade e 60 anos de cantoria, começou a brincar bumba meu boi com seu pai aos sete anos. Aos 12, já puxava toadas quando ainda morava em São Vicente de Férrer, cidade localizada a 275 quilômetros da capital, São Luís.

A festa começa a se organizar sempre a partir do mês de outubro, com ensaios de novembro em diante para a temporada de apresentações que só vão acontecer no mês de junho. E que a “morte” da brincadeira acontece em agosto, e começando todo o ciclo de preparação nos meses seguintes.

“Acabou o período de apresentações, a gente começa logo em seguida tudo de novo repondo tudo que foi danificado e preparando as indumentárias. Tudo isso que você vê no Boi Unidos de Santa Fé passam pelas minhas mãos com ajuda de algumas pessoas que se interessam e fazem a brincadeira acontecer”, disse o cantador.

Os membros do grupo reúnem-se em funções de diretoria, cordão, índios, índias, cazumbás, batuqueiros e um atuante grupo de apoio de aproximadamente 25 pessoas.

Tudo que aprendeu no bumba-meu-boi, conta o mestre, aprendeu com João Câncio dos Santos, dono do Boi de Pindaré, e que se hoje o Boi Unidos de Santa Fé é o que é, é por conta de sua dedicação 24h por dia.

Mestre Zé Olhinho em apresentação

Zé Olhinho diz ter ainda muita vitalidade apesar de sua idade, e que só tem o bumba meu boi e o futebol que ainda joga nos finais de semana como atividade física.

Já em seu vigésimo casamento, o cantador conta ter “mais de 15 filhos” e que parou de contar o número de netos quando chegou o 42º, sem falar dos binestos. “Com essa última ainda não tenho filhos. Estamos todos os dois capados!”, brincou ele.

O bumba-meu-boi Unidos de Santa Fé, conta o mestre, está passando pelo seu melhor momento pelo reconhecimento que conquistou ao longo dos anos e pelo sucesso que se tornou a toda “Guerreiro Valente”, composta há seis anos por ele, e que transformou-se em uma das músicas mais tocadas nas emissoras de rádios e nos arraiais da capital maranhense.

“Nós tivemos a oportunidade de ver Coxinho fazer uma toada linda que se tornou hino do Maranhão [Urrou do Boi], depois veio Donato [Bela Mocidade], depois Humberto de Maracanã [Maranhão Meu Tesouro, Meu Torrão], e graças a Deus chegou a minha vez”, conta.

“Eu já tinha ideia da música contando a minha história de São Vicente de Férrer, mais eu fiz o refrão dessa toada quando vi Neymar Jr jogando pelo Santos fazendo uma dancinha, e ele batia o punho nos braços. Me lembrei da minha tribo como ela dança. Quando vi aquele gesto me veio a cabeça: ‘É tchum! É tcham! É tchum! É tcham! Eu vou até de manhã’. Falei para o pessoal do boi e eles assimilaram o que eu tinha pensado”, disse o cantador falando que a toada pegou geral no ensaio.

“O guerreiro valente”, como também é chamado, diz, que o início da pandemia, a brincadeira teve que se adaptar. Há dois anos, encerraram as grandes apresentações. Para que os trabalhos não fossem interrompidos, o boi participa de lives e pequenos eventos no qual a manifestação cultural leva apenas 20 integrantes para as apresentações.

“É bastante preocupando para gente, pois o boi não tem saído na sua totalidade. A gente tem que entender e atender a solicitação das autoridades de saúde que devem ser cumpridas. Nós estamos trabalhando nesse sentido. Usando máscara e álcool em gel em nossas apresentações que hoje temos que infelizmente manter o distanciamento social”, contou o mestre.

A brincadeira hoje, conta ele, não está faturando quase nada, só o suficiente para manter a tradição e ajudar os integrantes com uma pequena gratificação financeira.

“O pouquinho que a gente ganha tem que pagar para o brincante que participa e para o pagamento do transporte. Nem alimentação que antes a gente fornecia, a gente não está conseguindo fazer infelizmente, mas estamos na lida contando com a proteção de Deus, Jesus, do Divino Espirito Santo e todos os santos. Espero que ano que vem estejamos todos unidos para fazer o São João acontecer como de costume: com muita festa”, disse Zé Olhinho demonstrando toda sua fé.

Sobre o futuro do bumba do Complexo Cultural do Bumba-meu-Boi, que em dezembro de 2019 se tornou Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em Bogotá, na Colômbia, Zé Olhinho fala com um misto de tristeza e preocupação.

O mestre, que nasceu em 1943, está aposentado pelo Sindicato dos Arrumadores de São Luís, atividade que exerceu por duas décadas e que lhe deixou como sequela dores na coluna oriundas de hérnia de disco.

”Infelizmente no meu sotaque [de Baixada] a parte da cantoria a gente não vê nenhuma perspectiva de aparecer um rapaz de 18, 20 anos querendo cantar. E nós estamos com essa dificuldade em todos os bois, pois hoje só tem coroa de 50 anos para lá. Eu tô com 78 anos. Já não tenho boa saúde, tô com duas hérnias de disco e onde eu vou cantar já é sentado porque não posso me manter em pé.”

O mestre conta que a voz já não continua como a de uma década atrás. “Então eu fico temeroso, fico muito triste em ver essa situação Em outras áreas como percussão, o pessoal que brinca de índia, caxumba a gente vê um interesse. Fico muito preocupado com o futuro do bumba-meu-boi principalmente com o Sotaque da Baixada, como o estilo Costa de Mão que já está quase extinto, e só dois se apresentam hoje na capital. Isso nos deixa muito triste. Pois como já disse não temos perspectiva”.

História do Unidos de Santa Fé

Em 1940, centenas de famílias da região da Baixada migraram para áreas adjacentes de conjuntos habitacionais e rios da cidade de São Luís, principalmente na região onde hoje está situado o Bairro de Fátima.

Residentes em bairros próximos ao Centro da capital, mantiveram os costumes, as crenças e a sua cultura, e assim surgiu o sotaque do Bumba Meu Boi da Baixada em São Luís.

Em 1988, foi fundada a Associação Cultural do Bumba Meu Boi e Tambor de Crioula “Unidos de Santa Fé”. Coordenada por “Zé Olhinho’’, Raimundo Miguel Ferreira e João Madeira Ribeiro, a fundação da nova instituição jurídica de direito privado sem fins lucrativos, de caráter social, cultural e recreativo, promove e mantém o grupo folclórico Unidos de Santa Fé, divulga a cultura popular e suas manifestações folclóricas.

Referência para o bairro de Fátima, onde está situado o barracão-sede, o Boi Unidos de Santa Fé e o Tambor de Crioula têm destacada atuação nas festividades culturais do estado do Maranhão.

Zé Olhinho, 78, começou aos 12 a puxar toadas de bumba-meu-boi

A origem do bumba-meu-boi
Uma das prováveis origens da festa seria na Europa do século 16, na península ibérica. Havia um conto ibérico de enredo muito semelhante ao da história da lenda do bumba-meu-boi difundida no Brasil. Trazida pelos colonizadores portugueses, a história no Brasil ganhou aspectos da cultura indígena e africana.

No nordeste, a história do bumba-meu-boi foi inspirada na lenda da Mãe Catirina e do Pai Francisco (Chico). Nesta versão, Mãe Catirina e Pai Francisco são um casal de negros trabalhadores de uma fazenda. Quando Mãe Catirina fica grávida, ela tem desejo de comer a língua de um boi.

Empenhado em satisfazer a vontade de Catirina, Chico mata um dos bois do rebanho, que, no entanto, era um dos preferidos do fazendeiro. Ao notar a falta do boi, o fazendeiro pede para que todos os empregados saiam em busca dele. Eles encontram o boi quase morto, mas com a ajuda de um curandeiro ele se recupera.

Em outras versões, o boi já está morto e, com o auxílio de um pajé, ele ressuscita. A lenda, dessa maneira, está associada ao conceito de milagre da igreja católica, ao trazer de volta o animal.

Ao mesmo tempo, mostra a presença de elementos indígenas e africanos, tal como a cura pelo pajé ou curandeiro e a ressurreição. A festa do Bumba meu boi é celebrada para comemorar esse milagre.

O cazumbá é um personagem do bumba-meu-boi, do sotaque da baixada ou de pindaré. Nem homem, nem mulher, nem animal, ele está entre a magia e o lúdico; fusão dos espíritos dos homens e animais, cercado de magia e responsabilidades com o boi.

No bumba-meu-boi do Maranhão, em meio a um enredo de temática rural, que mistura boi, amo, vaqueiros, rapazes e índios, situa-se como um ser fantástico que assusta Pai Francisco quando este rouba o boi para lhe tirar a língua e satisfazer o desejo de grávida de sua mulher, Catirina.

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Artista do interior de SP recria rota de tropeiros com mapas feitos à mão https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/04/19/artista-do-interior-de-sp-recria-rota-de-tropeiros-com-mapas-feitos-a-mao/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/04/19/artista-do-interior-de-sp-recria-rota-de-tropeiros-com-mapas-feitos-a-mao/#respond Mon, 19 Apr 2021 15:54:35 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/tropeiro10-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4127 Lais Seguin

Piracicaba (SP) Com experiência na cartografia há mais de 30 anos, o artista plástico Francisco Stein, de Sorocaba (SP), decidiu criar à mão sete mapas ricos em detalhes para contar a história do tropeirismo no Brasil.

Ele aplica uma técnica autodidata que desenvolveu com o uso de materiais como nanquim sobre poliéster, tinta sem óleo e em pó e verniz fixador spray com proteção contra raios UV, umidade e intempéries.

Mapa de autoria de Francisco Stein, sobre a rota do tropeirismo brasileiro

No fim dos anos 80, enquanto trabalhava como projetista mecânico em uma empresa de São Paulo, resolveu começar a dar aulas de história (sua grande paixão, até então adormecida) em um colégio particular, como substituto.

“Não consigo imaginar uma aula de história sem mapas. Como no colégio não tinha, comecei a desenhar na lousa. Depois, passei a desenhar no papel vegetal e usar durante as aulas. Fiz isso por mais ou menos dois anos”, conta.

No entanto, Francisco precisou parar com as aulas quando surgiu uma oportunidade de emprego em outro estado. Ele viajava muito por causa do trabalho na área comercial, continuar com a paixão de estar na sala de aula se tornou inviável devido à falta de tempo.

Um dia, os horários exaustivos, imensas responsabilidades e a saudade da família, cobraram um preço. Desde 2014, se dedica integralmente à criação dos mapas feitos a mão.

Detalhes do mapa do tropeirismo andino, obra de Stein

Ele estuda e faz pesquisas desde o ano passado para que possa trazer vida às rotas traçadas pelos tropeiros, principalmente por Sorocaba, cidade em que mora e que foi protagonista da feira de muares, venda de mulas e burros trazidos dos pampas, ao sul do Brasil, para o transporte de ouro na recém descoberta Minas Gerais.

Para o projeto dar certo, o artista afirma que até precisou vender o carro para comprar os materiais necessários, devido à ausência de incentivos financeiros. Uma vaquinha online para arrecadar fundos e poder levar a produção até o final também foi realizada, com a meta de arrecadar R$82 mil. O valor se destina a utilização de livros consagrados do tema, documentos oficiais da época e entrevistas com diversos historiadores.

O artista plástico afirma que o maior desafio desta empreitada será conseguir inserir todos os elementos que ajudam a dar alto grau de didatismo aos observadores sobre o ciclo tropeiro. A ideia é que o conjunto de mapas, por si só, consiga explicar não apenas a geografia, mas os aspectos econômicos, culturais e políticos deste ciclo econômico do país.

Reprodução de Francisco Stein feita à mão do mapa de José Washt Rodrigues das diversas frentes de batalha da Revolução que pretendia derrubar o governo totalitário de Getúlio Vargas e convocar uma Assembleia Nacional Constituinte ocorrido entre julho e outubro de 1932

“Pretendo sair do básico, das linhas retas que apenas mostram a trajetória de um lugar para outro. Quero mostrar o momento histórico, o nível de altitude, relevo, arroios, rios, passos, vegetação, tudo rico em detalhes”, explica.

Ao final da produção dos mapas, que pode levar até dois anos, o artista doará reproduções ampliadas do material a escolas e universidades públicas, prefeituras e demais entidades interessadas.

Mapa atual feito a mão pelo Francisco, da divisão política do Brasil e outros detalhes (estradas, acidentes geográficos, etc.) permitidos pela escala utilizada. No sentido anti-horário, figuras decorativas alusivas aos principais ciclos econômicos; pau-brasil, cana de açúcar, ouro e pedras preciosas, borracha, cafeicultura e por fim o pré-sal (petróleo)

“Eu sempre quis fazer um mapa do caminho das tropas. Não existe nenhum mapa muito detalhado. A maioria é muito primário, impreciso ou fala muito superficialmente sobre o tropeirismo. Espero fazer um trabalho que reavive o interesse de jovens alunos, adultos e, quem sabe, nossas autoridades públicas”, diz​.

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Interior de SP ganha nova rota de peregrinos até Aparecida https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/03/19/interior-de-sp-ganha-nova-rota-de-peregrinos-ate-aparecida/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/03/19/interior-de-sp-ganha-nova-rota-de-peregrinos-ate-aparecida/#respond Fri, 19 Mar 2021 13:49:16 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/romaria-1-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4121 Simone Machado

São José do Rio Preto (SP) O Caminho da Fé, tradicional rota de peregrinos até Aparecida (SP), oferecerá um novo ramal de partida de romeiros no interior de São Paulo. O trajeto intitulado “São José” terá como ponto de saída a Basílica Menor de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, na cidade de São José do Rio Preto. É o trecho mais longo do Caminho da Fé, com 894 km de percurso, de acordo com a Associação dos Amigos do Caminho da Fé.

O novo ramal foi inaugurado oficialmente na sexta-feira (19), dia de São José, padroeiro da cidade de origem do trecho.

O policial militar reformado Vivaldo Aparecido Ribeiro, de 57 anos, foi o primeiro a percorrer o novo trajeto – Arquivo Pessoal

O ramal é um trecho do Caminho da Fé composto por sete cidades (São José do Rio Preto, Cedral, Potirendaba, Ibirá, Urupês, Itajobi e Novo Horizonte) em um total de 170 km até chegar em Borborema, onde se liga ao “Ramal Centro Paulista” e segue até Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, em Aparecida, somando mais 724 km.

O trajeto total passa por 37 municípios, sendo percorrido a maior parte por estradas de terra em meio à área rural. Para orientar os fiéis a rota é sinalizada com setas indicando a direção a ser seguida e a quilometragem do trecho.

Nesses locais, moradores de sítios e pequenas cidades acolhem e incentivam os peregrinos oferecendo alimentos e água. Algumas propriedades rurais se tornaram pousadas que hoje hospedam os viajantes.

O trajeto passa por capelas, algumas com importância histórica e arquitetônica, como a capela de São Benedito, em Cravinhos e igrejas em Ouro Fino, no trecho mineiro da rota.

O policial militar reformado Vivaldo Aparecido Ribeiro, de 57 anos, foi o primeiro peregrino a percorrer o novo trajeto, o “Ramal São José”. A caminhada teve início no dia 10 de janeiro e terminou no dia 15 de fevereiro, totalizando 37 dias.

“Eu caminhava cerca de 30 km por dia, em cerca de oito horas. Apesar de já estar acostumado a fazer o Caminho da Fé partindo de Borborema, esse novo trecho por ser mais longo é bastante desafiador e desgastante pela distância. Emagreci cerca de 7 quilos durante a caminhada dos quase 900 km”, relata Vivaldo.

O Caminho da Fé brasileiro foi inaugurado em 2003 inspirado no Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. Atualmente, há 13 ramais em funcionamento no Caminho da Fé, incluindo o pioneiro, que começa em Águas da Prata. Todos iniciam em cidades paulistas, mas cortam em algum momento trechos de municípios mineiros.

 Desde o seu surgimento cerca de 70 mil pessoas peregrinaram até Aparecida. Em 2020, devido à pandemia da Covid-19 as peregrinações ficaram suspensas por seis meses, mesmo assim 7 mil romeiros passaram pelo Caminho da Fé. Em 2019 esse número foi de 12 mil pessoas.

Para um percurso ser considerado rota da fé Católica ou caminho de peregrinação é preciso que ele tenha como destino um santuário ou interligue dois deles.

O padre Manoel de Oliveira Filho, coordenador Nacional da Pastoral do Turismo, explica que esses caminhos precisam ter uma mobilização popular pela fé para serem reconhecidos.

Além disso, para a criação de uma rota da fé é necessário que moradores, a igreja e os órgãos públicos se mobilizem e juntos façam o planejamento para a inclusão desse ponto turístico religioso oficialmente junto ao setor de turismo local ou regional.

Roteiro da Fé no Brasil 

Conheça os roteiros de peregrinações católicas pelo Brasil, segundo a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil)

Os Passos de Anchieta: da cidade de Anchieta (ES) para Vitória (ES)

Caminho da Fé Santa Dulce: Senhor do Bonfim (BA) –  do Santuário de Dulce dos Pobres a igreja do Bonfim, em Salvador. – interliga duas igrejas na mesma cidade – Salvador

Caminho de Nhá Chica – da cidade de Inconfidentes (MG) à Baependi (MG)

Roteiro do Padre Ibiapina – Três trilhas: Guarabira (PB) ao santuário de Santa Fé, no município de Arara (PB); de Guarabira a Arara; Guarabira até Arara.

Caminho da Fé, em cidades de SP: Saídas de Borborema; São Carlos; Ribeirão Preto; Águas da Prata; Mococa; Aguaí; Franca; Sertãozinho; Santa Rita de Cássia; Caconde; Leme; São José do Rio Preto. Todos com chegada em Aparecida.

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Mutirão entre vizinhos revive tradição centenária em cidade entre SP e Minas https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/12/29/mutirao-entre-vizinhos-revive-tradicao-centenaria-em-cidade-entre-sp-e-minas/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/12/29/mutirao-entre-vizinhos-revive-tradicao-centenaria-em-cidade-entre-sp-e-minas/#respond Tue, 29 Dec 2020 15:17:18 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/mutirão-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4105 Reginaldo Pupo

SÃO BENTO DO SAPUCAÍ (SP) Sob a luz fraca de uma lamparina, na madrugada, o ainda jovem Benedito da Silva Santos e grupos de moradores do bairro se reuniam para visitar moradores da comunidade que passavam por alguma dificuldade.

Era mais um dos vários mutirões organizados pelos próprios moradores do bairro do Quilombo, em São Bento do Sapucaí (191 km de São Paulo), décadas atrás. Antes mesmo de o nascer do sol e munidos com enxadas, pás, foices e muita disposição, os moradores, muitos deles já idosos, caminhavam por vários quilômetros para realizar os trabalhos pela vizinhança.

 Hoje com 75 anos, Santos, mais conhecido no Quilombo como “seo” Ditinho Joana, mantém essa tradição, que teve início há cerca de 200 anos, antes mesmo da fundação do município, que tem 188 anos. Naquela época, os mutirões ajudavam membros da comunidade que não tinham condições de pagar por serviços como roçada de terrenos ou até mesmo para construir suas casas, por exemplo.

Tradição de ajudar os vizinhos com mutirões no bairro do Quilombo existe há cerca de 200 anos

 Há alguns meses, os moradores se reuniram para construir um banheiro para uma moradora, que precisava usar o da vizinha.

Um dos últimos moradores a serem beneficiados com os mutirões foi o produtor rural Carlos Silva Cruz, 37. A comunidade se reuniu para construir uma casa, já que Braisão, como é conhecido na comunidade, viu sua família crescer com a chegada do bebê Ravi Cruz, agora com três meses. Ele já tinha um filho de oito anos.

“Eu morava com minha esposa e filho na casa da sogra desde 2015. Aproveitamos o espaço do quintal dela para construir a casa. Cada morador colaborou de alguma forma, cedendo materiais de construção e mão de obra. Erguemos a casa em um ano e meio. Todos os sábados, entre 10 a 15 pessoas vinham em casa para tocar a obra, até mesmo da vizinha Paraisópolis (MG). E muitos que vieram ajudar eu nem conhecia”, recorda-se.

Atualmente, os mutirões também ajudam a prefeitura local com a limpeza de valas, rios, desobstrução de galerias pluviais, corte de mato, retirada de barreiras e galhos de árvores que interrompem as estradas de acesso ao bairro após as chuvas.

“Os mutirões sempre existiram, é algo cultural. Os moradores antigos se mobilizavam para ajudar o próximo sem querer nada em troca. E ainda fazem com orgulho. Por aqui, as pessoas que geralmente nem têm condições financeiras acabam ajudando quem mais precisa”, diz o morador Valdir Pereira Ramos Filho, 37, que faz parte da nova geração de moradores que mantém a tradição dos mutirões.

“Hoje os moradores antigos e os mais jovens sabem das limitações dos órgãos públicos e auxiliam a prefeitura nessa questão, que por sua vez, cede maquinários e equipamentos. É uma parceria entre os moradores e os órgãos públicos”, frisa Filho.

“A cidade tem 300 quilômetros de estradas vicinais e os moradores do Quilombo acabam nos ajudando quando temos equipes trabalhando no outro extremo da cidade. Sempre que possível cedemos maquinários e operadores para ajudar nos serviços mais pesados”, afirma o prefeito Ronaldo Venâncio (PP).

Apesar da idade, Ditinho Joana, bastante respeitado no bairro, acompanha algumas dessas ações. Ele é, inclusive, o responsável por entoar uma canção, batizada de “canto do mutirão”.

“Naquela época vários grupos se revezavam para cantar, como forma de incentivá-los ao trabalho. No final do dia, todos se juntavam para cantarmos juntos. Eu quis aprender a cantar, pois quem cantava, trabalhava menos com a enxada”, diz, rindo, Ditinho Joana, que já perdeu as contas de quantos moradores já ajudou nas últimas décadas.

Segundo Ditinho Joana, os mutirões eram bem disputados, pois muitos dos moradores esperavam ansiosamente pela hora do almoço. “As esposas faziam a comida e era a hora mais esperada. Cada um dava um frango e fazíamos a festa”.

Um fato curioso que ele se recorda, contado por seu avô, é que certa vez, os moradores construíram uma casa, desde o alicerce e, depois, derrubaram a casa novamente. “Só para terem o prazer de construí-la novamente. Os mutirões uniam as pessoas”, concluiu.

O final dos mutirões sempre acabava em festa. “Vinha gente de toda a vila, até mesmo quem não participava dos mutirões. Então, de um jeito que a pessoa não ficasse constrangida, iluminávamos o rosto dela e dizíamos: ‘que bom que você veio à festa, mas não lembramos da sua presença no mutirão’. Então ela colocava a mão no bolso e dava uma contribuição em dinheiro para a festa”, diverte-se Ditinho Joana.

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Aos 83, Chicuta mantém tradição de carros de boi em Minas Gerais https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/02/20/aos-83-chicuta-mantem-tradicao-de-carros-de-boi-em-minas-gerais/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/02/20/aos-83-chicuta-mantem-tradicao-de-carros-de-boi-em-minas-gerais/#respond Thu, 20 Feb 2020 12:00:38 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/boi13-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4046 Donizete Oliveira

MONTE BELO (MG) Segundo o dicionário Aurélio, chicuta significa bebê, criancinha. O termo também foi imortalizado na voz de Tião Carreiro e Pardinho, na canção “Ana Rosa”, em que Chicuta, um sujeito violento, mata por ciúmes sua mulher, Ana Rosa.

É também um apelido comum em algumas regiões de Minas Gerais. Um desses chicutas, que de violento não tem nada, vive em Monte Belo (a 400 km Belo Horizonte). Aos 83 anos, Francisco de Paula da Costa é um dos mais velhos “carreiros” de Minas.

Chicuta preserva a tradição de recriar carros de boi para apresentar às novas gerações esse meio de transporte que por décadas foi vital para a economia do país.

Ele vive em um sítio de 15 alqueires, em Tijuco, zona rural de Monte Belo. A atração fica num galpão ao lado do terreiro de concreto onde se secam cereais: um carro de boi usado para apresentação nas cidades da região.

Os carros de boi estão presentes nas festas populares como um elemento da cultura caipira. Antigamente, era um meio utilizado para puxar cereais e café, que com o tempo foi substituído por veículos motorizados.

Chicuta vestiu uma capa de couro, surrada, em dia chuvoso no sítio em Monte Belo (MG)

O carro de boi de Chicuta o acompanha desde criança. “Meu pai me ensinou a pôr os bois na canga e a viajar levando cereais e café de um lugar a outro”. No pasto, estão os bois treinados para puxar o carro. “Eles só ficam prontos com uns cinco anos de doma e exigem muita paciência do carreiro”.

Na visita da reportagem, em janeiro, durante chuva, Chicuta vestiu uma capa de couro, surrada, colocou a canga nos bois e movimentou o carro. No fogão a lenha, a mulher dele, Maria Cândida, 81, preparava o almoço, com arroz, feijão, carne, verduras e legumes colhidos na propriedade. “A gente faz questão de não abandonar os costumes antigos”, diz ela.

O carro de boi percorreu três km debaixo de chuva. As rodas de madeira cortavam o barro esbranquiçado da estrada de chão batido. Estava munido da varra de ferrão para ajudar na condução dos bois, mas ele não os cutucava. “O bom carreiro guia pelo comando, e eles obedecem, cutucar de leve só em último caso”, afirma Chicuta.
Ao lado segue seu ajudante, Eraso Ananias de Carvalho, 50, também apaixonado por carro de boi –paixão que pôs fim ao seu casamento.

De tanto viajar para apresentações em eventos regionais, sua mulher lhe deu um ultimato: ela ou o carro de boi. Eraso não titubeou em ficar com a segunda opção. “Não largo disso aqui por nada”, diz. Mas não conseguiu passar o gosto pelo ofício a seu único filho, que não se interessa pela tradição.

Chicuta também não. Seus filhos não a cultivam, mesmo com incentivo do pai. Ele diz que tentou, ensinou, mas eles preferem trabalhar com café e outras plantações a domesticar bois de carro.

“Minha sorte é o Eraso, que já se comprometeu em levar adiante essa paixão”, declara o velho carreiro, mas se depender de disposição, ele vai longe guiando os bois nas apresentações regionais.

Chicuta segue na tradição com seu ajudante, Eraso Ananias de Carvalho, 50, também apaixonado por carros de boi

A chuva não cessa em Monte Belo. Duas horas após a partida, ouvem-se os comandos de Chicuta: “Rodeio, Campeiro, Roseiro, Mercado”… os bois conduzem o carro de volta ao terreiro da casa.

Apesar da chuva e do terreno encharcado, ele se lembra da música “Poeira”, composição de Luiz Bonan e Serafin Gomes, primeira gravação de Duo Glacial. “O carro de boi lá vai gemendo lá no estradão/Suas grandes rodas fazendo profundas marcas no chão/Vai levantando poeira, poeira vermelha, poeira/Poeira do meu sertão”.

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Surddy, o palhaço surdo pernambucano que se comunica por Libras nos palcos https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/01/22/surddy-o-palhaco-surdo-pernambucano-que-se-comunica-por-libras-nos-palcos/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/01/22/surddy-o-palhaco-surdo-pernambucano-que-se-comunica-por-libras-nos-palcos/#respond Wed, 22 Jan 2020 12:04:56 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/surdo13-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4037 Josué Seixas

MACEIÓ A ideia veio há dez anos. O pernambucano Igor Rocha, então com 21 anos, assistia a uma peça e não entendia quase nada. Surdo, pensou em desenvolver-se pela arte com o apoio da Libras para quem na plateia, como ele, não podia escutar.

Interessado em crescer enquanto artista, Igor investiu nos estudos. Da parceria com a diretora Andreza Nóbrega, atriz especializada em educação inclusiva, brotou o personagem de Igor, o palhaço Surddy.

Ideia do personagem surgiu há dez anos, quando assistiu a uma peça e não conseguiu entender os atores, por ser surdo

Assim também foi estabelecida a dinâmica de como seriam suas peças –um jogo de corpo, luzes e expressões com a plateia, misturados a um figurino colorido. Encontrou na arte circense o caminho para se comunicar sendo surdo, “porque as expressões visuais e corporais são mais valorizadas em Libras”.

Igor inspirou-se em Charlie Chaplin, Jim Carrey e Mr. Bean para contar suas histórias. Então, em seus espetáculos, existem apenas três sons: os movimentos de Igor, como quando corre pelo palco batendo os pés; as risadas de crianças e adultos; aplausos ao final.

“Decidi fazer peças totalmente acessíveis porque nós, como surdos, sofremos sem acessibilidade e perdemos informações. Já entendemos como é sentir espetáculos sem acessibilidade, por isso queremos que todo mundo se sinta incluído e feliz por ter oportunidade igual com as demais pessoas sem deficiência”, conta.

O artista já esteve em shows por Pernambuco, Ceará e São Paulo. Nas apresentações, há participação do público surdo. Alguns assistiram a mais de uma vez às peças.

A formação enquanto palhaço foi longa. Começou com a graduação em Letras-Libras, depois oficinas com Rapha Santacruz (mágico), Giulia Cooper (palhaça) e Marcelo Oliveira (artista), além do acompanhamento da VouVer Acessibilidade.

Para Igor, entretanto, esse é um caminho difícil porque há poucas oportunidades de formação – falta acessibilidade e acompanhamento. “Na minha vida, sempre tive dificuldades porque sociedade não está preparada para receber surdos nem entender as nossas necessidades. Por exemplo, ainda está em falta intérpretes de Libras em todos lugares e nos espaços culturais ainda são poucas as iniciativas. A falta de entendimento que a pessoa surda é capaz é uma grande obstáculo para que possamos viver e fazer arte”.

O ator na peça“A Chegada”, que atua com ajuda da Libras para compreensão do público surdo

No espetáculo, o cenário de Igor usa poucos elementos. Uma flor, uma cadeira, um vaso e uma mesa se destacam, além do cavalete que acompanha o Palhaço Surddy, que usa até mesmo o nariz vermelho clássico.
A peça, intitulada de “A Chegada”, apresentada em 2019, é para todos os públicos. Já rodou o Brasil – se apresentou em São Paulo, Recife e Fortaleza, por exemplo.

Ele agora vive em Arapiraca, interior de Alagoas, e trabalha como professor e ator. Sempre tem no rosto uma expressão serena, satisfeito em levar às pessoas alegria, sentimento e uma comunicação acessível.

“Meu objetivo é que todas as pessoas entendam que a inclusão precisa acontecer de verdade, que as pessoas ouvintes e surdas possam conviver, aprender juntas. É isso o que nós sentimos no processo de montagem e nos espetáculos do Surddy”.

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A vida de Teófanes Silveira, o palhaço Biribinha, patrimônio vivo de Alagoas https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/10/21/a-vida-de-teofanes-silveira-o-palhaco-biribinha-patrimonio-vivo-de-alagoas/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/10/21/a-vida-de-teofanes-silveira-o-palhaco-biribinha-patrimonio-vivo-de-alagoas/#respond Mon, 21 Oct 2019 11:02:32 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/biribinha-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=3986 Josué Seixas

MACEIÓ Em 1958, Teófanes Silveira, baiano de Jequié, chorou em cima do palco. Tinha sete anos quando assustou-se com os olhos da multidão e o riso de outras crianças como ele na plateia. Naquele palco em Angra dos Reis, nascia o palhaço Biribinha.

Chamava-se assim porque era magrinho, pequenininho e era filho do Biriba. Tinha de ser Biribinha. Aos 68, Teófanes tem hoje residência fixa em Arapiraca, interior de Alagoas, mas roda o mundo inteiro desde que seu pai decidiu abandonar o curso de direito para viver do circo.

Foi ali que começou a geração dos Silveira na arte circense. Agora, a quinta geração da família está prestes a despontar.

“Meu pai foi meu grande professor. Ele me ensaiava, me dirigia. Antes de ser o Palhaço Biribinha, fiz dois espetáculos com ele. Então, meu pai chegou e disse: ‘Você acaba de testar os dois lados diferentes da mesma moeda. Quem consegue fazer rir e fazer chorar, tem que ser palhaço’, então me jogou no picadeiro e no palco, as minhas duas escolas”, conta o artista.

Depois de uns anos longe do circo, Teófanes retomou em 2006 o ofício de palhaço

O pai de Teófanes, Nelson Silveira, aproveitou bastante a época do circo no Brasil. Começou na Bahia, depois foi para Minas Gerais, São Paulo, Minas Gerais de novo e Rio de Janeiro.

Lá, conta, a família passou por uma das situações mais tensas. Era a época da ditadura Militar e a repressão estava em alta. Nelson, que já tinha 26 obras de teatros registradas, achou melhor sair dali e voltar para o Nordeste. O pai morreu em 1977. Teófanes, então, tornou-se o diretor do circo e da família.

“Aquele dia foi muito triste. Eu estava maquiado de Biribinha, preparado para começar o espetáculo, tudo cheio, não cabia mais gente. Peguei o bilhete, li, coloquei no bolso de palhaço, chamei meu irmão e mandei anunciar o início do espetáculo. As coisas da vida são assim.”

Teófanes seguiu com o circo até 1986, quando resolveu baixar a lona e encerrar as atividades do Circo Mágico Nelson.

Depois de alguns anos, criou um novo circo. Estava casado, já era pai de quatro filhos, e vivia viajando entre os estados do Nordeste para se apresentar. As crianças, entretanto, não se adaptaram à vida das viagens. Teófanes desistiu do circo e resolveu morar definitivamente em Arapiraca.

“Tive que aprender a me adaptar e me tornei pioneiro em alguns pontos artísticos e culturais dessa cidade. Comecei a fazer teatro nas escolas, fazer festas de recreação, oficinas de palhaço, falava sobre circo-teatro nas escolas, trabalhei na Secretaria de Cultura. Já fui até Papai Noel no Natal. E com isso criei meus filhos.”

Só em 2006 que Teófanes voltou à rotina. Foi a Curitiba, para um festival, sem qualquer garantia de dinheiro. “Eram R$ 15 se a pessoa trabalhasse no dia. Se não, ficava com fome. Saí de lá com seis festivais contratados e não parei mais”. O espetáculo foi para a Europa e para o Canadá.

Palhaço Biribinha em uma de suas apresentações

O Palhaço Biribinha foi considerado patrimônio vivo de Alagoas em 2010. Ele recebeu o Prêmio Governador do Estado para Cultura 2015, na categoria Circo – júri popular, com 58% dos votos. Teófanes, entretanto, não pensa em parar. Gosta é de passar o conhecimento.

“Nunca paguei por nada do que aprendi e não estou cansado. Tenho toda uma eternidade para descansar. Daqui a pouco chego aos 70 de idade e isso ainda é pouco para tanta coisa que eu fiz e que ainda tenho para fazer.”

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