Brasil https://brasil.blogfolha.uol.com.br Histórias e personagens pelo país afora Thu, 28 Oct 2021 12:12:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Rota das Charqueadas em Pelotas (RS) remete o turista ao século 19 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/08/11/rota-das-charqueadas-em-pelotas-rs-remete-o-turista-ao-seculo-19/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/08/11/rota-das-charqueadas-em-pelotas-rs-remete-o-turista-ao-seculo-19/#respond Wed, 11 Aug 2021 12:00:57 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/pelotas-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4158 Luciano Nagel

Pelotas (RS) A rotina dos tropeiros gaúchos, dos negros escravizados e suas tradições pode ser conhecida na rota das charqueadas de Pelotas, a 262 km de Porto Alegre, no sul do estado. Além da produção de doces, que coloca a cidade em destaque do país, Pelotas reúne casarões antigos do século 19 que preservam parte da história do charque (carne bovina seca e salgada) do Rio Grande do Sul.

As charqueadas eram o conjunto de imóveis onde se produzia o charque, muito consumido pelos gaúchos até os tempos atuais. A 15 minutos do centro de Pelotas, o conjunto de casarões, todos em estilo colonial, fica às margens do arroio Pelotas. Parte foi convertida em pousadas e museus.

Charqueada Boa Vista, em Pelotas (RS)

Eram nesses casarões que os tropeiros conduziam o rebanho de gado e abatiam o animal. Do boi era tirado o couro onde era feito a ‘’pelota’’, que era uma pequena embarcação de vara de corticeira (árvore) forrada de couro usada na travessia do arroio (córrego).

Nessa embarcação, puxada a nado por um escravo (que segurava as cordas pela boca), era levado o charque ou, em certa ocasião, até mesmo o patrão, esposa ou filhos para o outro lado da margem do rio. Daí que surge o nome da cidade de Pelotas.

Do gado, se aproveitava além do couro, o pó dos ossos que eram utilizados para fazer fertilizante, o sangue para gelatina e os chifres para várias utilidades como a confecção de pentes e botões, por exemplo.

Já a carne do boi era cortada em mantas, salgada e posteriormente penduradas em varais que ficavam expostas ao sol durante dias até desidratar totalmente. Todo esse processo era exercido por escravos e tinha como objetivo conservar o produto para a comercialização que era vendido para a região central e norte do Brasil, principalmente para a alimentação deles.

Atualmente, a região das charqueadas pode ser visitada pelos turistas. Entre os casarões que estão de portas abertas estão a charqueada Santa Rita, local tornado pousada que mantém a estrutura original de 1826. Próximo ao casarão, há um pequeno museu que resgata a história do charque.

Ao lado da Santa Rita, há outra construção, a charqueada São João, que já serviu de cenário para a gravação da minissérie brasileira ‘’A Casa das Sete Mulheres’’ e o filme ‘’O tempo e o vento’’.

O casarão construído entre 1807 e 1810 ainda conserva o esplendor da época e atualmente é um museu aberto ao público desde o ano 2000. Com guia local, o turista conhece a história do ciclo do charque, o período de escravidão, a rotina dos tropeiros e dos charqueiros.

No local, o turista pode ver os utensílios domésticos que eram usados para a produção do charque, como a pá de sal, que era utilizada pelos escravos para jogar o sal em cima das mantas de carne, as facas (punhais) que serviam para degolar o boi após levar uma marretada na cabeça e ser ferido com lanças nas pernas, além dos ganchos (de ferro), onde os pedaços de carne bovina eram pendurados para depois serem cortados em mantas e posteriormente expostos ao sol.

Parte dos instrumentos usados desde o final do século 19 para produção do charque

A preparação do charque, naquela época, era feita de forma rudimentar: os bois eram mortos a céu aberto, no pátio das estâncias e a secagem da carne era feita ao ar livre.

Não muito longe da São João, fica a charqueada Costa do Abolengo. O local, pouco antes da pandemia do coronavírus, era ponto de festas eletrônicas frequentadas por muitos estudantes universitários e jovens em geral.

Charqueada Costa do Abolengo, na rota das charqueadas, em Pelotas (RS)

Agora, em momento pandêmico, a área está aberta para visitação de famílias com passeio a cavalo, quadras de futebol e tênis, além de cadeiras relaxantes à beira do arroio que são convidativas para o descanso ou uma boa leitura de um livro. O projeto é que o casarão de paredes brancas e janelões verdes se torne em breve uma pousada.

Também na região está a charqueada Boa Vista, construída em 1811. O espaço, nos tempos atuais, é destinado a realização de eventos, como festas de casamentos, formaturas e batizados. Quem visita a mansão ainda tem a oportunidade de tomar um café colonial, fazer um piquenique ou almoçar com a família mediante agendamento prévio.

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Mestre Zé Olhinho, 60 anos de cantoria no bumba-meu-boi do Maranhão https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/07/07/mestre-ze-olhinho-60-anos-de-cantoria-no-bumba-meu-boi-no-maranhao/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/07/07/mestre-ze-olhinho-60-anos-de-cantoria-no-bumba-meu-boi-no-maranhao/#respond Wed, 07 Jul 2021 12:02:20 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/bumba-meu-boi-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4141 Samartony Martins

São Luís Idealizador de uma das mais importantes manifestações culturais do Maranhão, o batalhão do bumba-meu-boi Unidos de Santa Fé, José de Jesus Figueiredo, conhecido carinhosamente pelo apelido de ‘’Mestre Zé Olhinho’’, vive um momento de só gratidão por tudo que a vida lhe reservou.

O cantador, que ganhou o apelido por causa dos olhos pequenos, está comemorando 78 anos de idade e 60 anos de cantoria, começou a brincar bumba meu boi com seu pai aos sete anos. Aos 12, já puxava toadas quando ainda morava em São Vicente de Férrer, cidade localizada a 275 quilômetros da capital, São Luís.

A festa começa a se organizar sempre a partir do mês de outubro, com ensaios de novembro em diante para a temporada de apresentações que só vão acontecer no mês de junho. E que a “morte” da brincadeira acontece em agosto, e começando todo o ciclo de preparação nos meses seguintes.

“Acabou o período de apresentações, a gente começa logo em seguida tudo de novo repondo tudo que foi danificado e preparando as indumentárias. Tudo isso que você vê no Boi Unidos de Santa Fé passam pelas minhas mãos com ajuda de algumas pessoas que se interessam e fazem a brincadeira acontecer”, disse o cantador.

Os membros do grupo reúnem-se em funções de diretoria, cordão, índios, índias, cazumbás, batuqueiros e um atuante grupo de apoio de aproximadamente 25 pessoas.

Tudo que aprendeu no bumba-meu-boi, conta o mestre, aprendeu com João Câncio dos Santos, dono do Boi de Pindaré, e que se hoje o Boi Unidos de Santa Fé é o que é, é por conta de sua dedicação 24h por dia.

Mestre Zé Olhinho em apresentação

Zé Olhinho diz ter ainda muita vitalidade apesar de sua idade, e que só tem o bumba meu boi e o futebol que ainda joga nos finais de semana como atividade física.

Já em seu vigésimo casamento, o cantador conta ter “mais de 15 filhos” e que parou de contar o número de netos quando chegou o 42º, sem falar dos binestos. “Com essa última ainda não tenho filhos. Estamos todos os dois capados!”, brincou ele.

O bumba-meu-boi Unidos de Santa Fé, conta o mestre, está passando pelo seu melhor momento pelo reconhecimento que conquistou ao longo dos anos e pelo sucesso que se tornou a toda “Guerreiro Valente”, composta há seis anos por ele, e que transformou-se em uma das músicas mais tocadas nas emissoras de rádios e nos arraiais da capital maranhense.

“Nós tivemos a oportunidade de ver Coxinho fazer uma toada linda que se tornou hino do Maranhão [Urrou do Boi], depois veio Donato [Bela Mocidade], depois Humberto de Maracanã [Maranhão Meu Tesouro, Meu Torrão], e graças a Deus chegou a minha vez”, conta.

“Eu já tinha ideia da música contando a minha história de São Vicente de Férrer, mais eu fiz o refrão dessa toada quando vi Neymar Jr jogando pelo Santos fazendo uma dancinha, e ele batia o punho nos braços. Me lembrei da minha tribo como ela dança. Quando vi aquele gesto me veio a cabeça: ‘É tchum! É tcham! É tchum! É tcham! Eu vou até de manhã’. Falei para o pessoal do boi e eles assimilaram o que eu tinha pensado”, disse o cantador falando que a toada pegou geral no ensaio.

“O guerreiro valente”, como também é chamado, diz, que o início da pandemia, a brincadeira teve que se adaptar. Há dois anos, encerraram as grandes apresentações. Para que os trabalhos não fossem interrompidos, o boi participa de lives e pequenos eventos no qual a manifestação cultural leva apenas 20 integrantes para as apresentações.

“É bastante preocupando para gente, pois o boi não tem saído na sua totalidade. A gente tem que entender e atender a solicitação das autoridades de saúde que devem ser cumpridas. Nós estamos trabalhando nesse sentido. Usando máscara e álcool em gel em nossas apresentações que hoje temos que infelizmente manter o distanciamento social”, contou o mestre.

A brincadeira hoje, conta ele, não está faturando quase nada, só o suficiente para manter a tradição e ajudar os integrantes com uma pequena gratificação financeira.

“O pouquinho que a gente ganha tem que pagar para o brincante que participa e para o pagamento do transporte. Nem alimentação que antes a gente fornecia, a gente não está conseguindo fazer infelizmente, mas estamos na lida contando com a proteção de Deus, Jesus, do Divino Espirito Santo e todos os santos. Espero que ano que vem estejamos todos unidos para fazer o São João acontecer como de costume: com muita festa”, disse Zé Olhinho demonstrando toda sua fé.

Sobre o futuro do bumba do Complexo Cultural do Bumba-meu-Boi, que em dezembro de 2019 se tornou Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em Bogotá, na Colômbia, Zé Olhinho fala com um misto de tristeza e preocupação.

O mestre, que nasceu em 1943, está aposentado pelo Sindicato dos Arrumadores de São Luís, atividade que exerceu por duas décadas e que lhe deixou como sequela dores na coluna oriundas de hérnia de disco.

”Infelizmente no meu sotaque [de Baixada] a parte da cantoria a gente não vê nenhuma perspectiva de aparecer um rapaz de 18, 20 anos querendo cantar. E nós estamos com essa dificuldade em todos os bois, pois hoje só tem coroa de 50 anos para lá. Eu tô com 78 anos. Já não tenho boa saúde, tô com duas hérnias de disco e onde eu vou cantar já é sentado porque não posso me manter em pé.”

O mestre conta que a voz já não continua como a de uma década atrás. “Então eu fico temeroso, fico muito triste em ver essa situação Em outras áreas como percussão, o pessoal que brinca de índia, caxumba a gente vê um interesse. Fico muito preocupado com o futuro do bumba-meu-boi principalmente com o Sotaque da Baixada, como o estilo Costa de Mão que já está quase extinto, e só dois se apresentam hoje na capital. Isso nos deixa muito triste. Pois como já disse não temos perspectiva”.

História do Unidos de Santa Fé

Em 1940, centenas de famílias da região da Baixada migraram para áreas adjacentes de conjuntos habitacionais e rios da cidade de São Luís, principalmente na região onde hoje está situado o Bairro de Fátima.

Residentes em bairros próximos ao Centro da capital, mantiveram os costumes, as crenças e a sua cultura, e assim surgiu o sotaque do Bumba Meu Boi da Baixada em São Luís.

Em 1988, foi fundada a Associação Cultural do Bumba Meu Boi e Tambor de Crioula “Unidos de Santa Fé”. Coordenada por “Zé Olhinho’’, Raimundo Miguel Ferreira e João Madeira Ribeiro, a fundação da nova instituição jurídica de direito privado sem fins lucrativos, de caráter social, cultural e recreativo, promove e mantém o grupo folclórico Unidos de Santa Fé, divulga a cultura popular e suas manifestações folclóricas.

Referência para o bairro de Fátima, onde está situado o barracão-sede, o Boi Unidos de Santa Fé e o Tambor de Crioula têm destacada atuação nas festividades culturais do estado do Maranhão.

Zé Olhinho, 78, começou aos 12 a puxar toadas de bumba-meu-boi

A origem do bumba-meu-boi
Uma das prováveis origens da festa seria na Europa do século 16, na península ibérica. Havia um conto ibérico de enredo muito semelhante ao da história da lenda do bumba-meu-boi difundida no Brasil. Trazida pelos colonizadores portugueses, a história no Brasil ganhou aspectos da cultura indígena e africana.

No nordeste, a história do bumba-meu-boi foi inspirada na lenda da Mãe Catirina e do Pai Francisco (Chico). Nesta versão, Mãe Catirina e Pai Francisco são um casal de negros trabalhadores de uma fazenda. Quando Mãe Catirina fica grávida, ela tem desejo de comer a língua de um boi.

Empenhado em satisfazer a vontade de Catirina, Chico mata um dos bois do rebanho, que, no entanto, era um dos preferidos do fazendeiro. Ao notar a falta do boi, o fazendeiro pede para que todos os empregados saiam em busca dele. Eles encontram o boi quase morto, mas com a ajuda de um curandeiro ele se recupera.

Em outras versões, o boi já está morto e, com o auxílio de um pajé, ele ressuscita. A lenda, dessa maneira, está associada ao conceito de milagre da igreja católica, ao trazer de volta o animal.

Ao mesmo tempo, mostra a presença de elementos indígenas e africanos, tal como a cura pelo pajé ou curandeiro e a ressurreição. A festa do Bumba meu boi é celebrada para comemorar esse milagre.

O cazumbá é um personagem do bumba-meu-boi, do sotaque da baixada ou de pindaré. Nem homem, nem mulher, nem animal, ele está entre a magia e o lúdico; fusão dos espíritos dos homens e animais, cercado de magia e responsabilidades com o boi.

No bumba-meu-boi do Maranhão, em meio a um enredo de temática rural, que mistura boi, amo, vaqueiros, rapazes e índios, situa-se como um ser fantástico que assusta Pai Francisco quando este rouba o boi para lhe tirar a língua e satisfazer o desejo de grávida de sua mulher, Catirina.

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Artista do interior de SP recria rota de tropeiros com mapas feitos à mão https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/04/19/artista-do-interior-de-sp-recria-rota-de-tropeiros-com-mapas-feitos-a-mao/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2021/04/19/artista-do-interior-de-sp-recria-rota-de-tropeiros-com-mapas-feitos-a-mao/#respond Mon, 19 Apr 2021 15:54:35 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/tropeiro10-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4127 Lais Seguin

Piracicaba (SP) Com experiência na cartografia há mais de 30 anos, o artista plástico Francisco Stein, de Sorocaba (SP), decidiu criar à mão sete mapas ricos em detalhes para contar a história do tropeirismo no Brasil.

Ele aplica uma técnica autodidata que desenvolveu com o uso de materiais como nanquim sobre poliéster, tinta sem óleo e em pó e verniz fixador spray com proteção contra raios UV, umidade e intempéries.

Mapa de autoria de Francisco Stein, sobre a rota do tropeirismo brasileiro

No fim dos anos 80, enquanto trabalhava como projetista mecânico em uma empresa de São Paulo, resolveu começar a dar aulas de história (sua grande paixão, até então adormecida) em um colégio particular, como substituto.

“Não consigo imaginar uma aula de história sem mapas. Como no colégio não tinha, comecei a desenhar na lousa. Depois, passei a desenhar no papel vegetal e usar durante as aulas. Fiz isso por mais ou menos dois anos”, conta.

No entanto, Francisco precisou parar com as aulas quando surgiu uma oportunidade de emprego em outro estado. Ele viajava muito por causa do trabalho na área comercial, continuar com a paixão de estar na sala de aula se tornou inviável devido à falta de tempo.

Um dia, os horários exaustivos, imensas responsabilidades e a saudade da família, cobraram um preço. Desde 2014, se dedica integralmente à criação dos mapas feitos a mão.

Detalhes do mapa do tropeirismo andino, obra de Stein

Ele estuda e faz pesquisas desde o ano passado para que possa trazer vida às rotas traçadas pelos tropeiros, principalmente por Sorocaba, cidade em que mora e que foi protagonista da feira de muares, venda de mulas e burros trazidos dos pampas, ao sul do Brasil, para o transporte de ouro na recém descoberta Minas Gerais.

Para o projeto dar certo, o artista afirma que até precisou vender o carro para comprar os materiais necessários, devido à ausência de incentivos financeiros. Uma vaquinha online para arrecadar fundos e poder levar a produção até o final também foi realizada, com a meta de arrecadar R$82 mil. O valor se destina a utilização de livros consagrados do tema, documentos oficiais da época e entrevistas com diversos historiadores.

O artista plástico afirma que o maior desafio desta empreitada será conseguir inserir todos os elementos que ajudam a dar alto grau de didatismo aos observadores sobre o ciclo tropeiro. A ideia é que o conjunto de mapas, por si só, consiga explicar não apenas a geografia, mas os aspectos econômicos, culturais e políticos deste ciclo econômico do país.

Reprodução de Francisco Stein feita à mão do mapa de José Washt Rodrigues das diversas frentes de batalha da Revolução que pretendia derrubar o governo totalitário de Getúlio Vargas e convocar uma Assembleia Nacional Constituinte ocorrido entre julho e outubro de 1932

“Pretendo sair do básico, das linhas retas que apenas mostram a trajetória de um lugar para outro. Quero mostrar o momento histórico, o nível de altitude, relevo, arroios, rios, passos, vegetação, tudo rico em detalhes”, explica.

Ao final da produção dos mapas, que pode levar até dois anos, o artista doará reproduções ampliadas do material a escolas e universidades públicas, prefeituras e demais entidades interessadas.

Mapa atual feito a mão pelo Francisco, da divisão política do Brasil e outros detalhes (estradas, acidentes geográficos, etc.) permitidos pela escala utilizada. No sentido anti-horário, figuras decorativas alusivas aos principais ciclos econômicos; pau-brasil, cana de açúcar, ouro e pedras preciosas, borracha, cafeicultura e por fim o pré-sal (petróleo)

“Eu sempre quis fazer um mapa do caminho das tropas. Não existe nenhum mapa muito detalhado. A maioria é muito primário, impreciso ou fala muito superficialmente sobre o tropeirismo. Espero fazer um trabalho que reavive o interesse de jovens alunos, adultos e, quem sabe, nossas autoridades públicas”, diz​.

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Lauthenay Perdigão, o alagoano amigo de Dida com 10 mil itens sobre futebol https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/09/30/lauthenay-perdigao-o-alagoano-amigo-de-dida-com-10-mil-itens-sobre-futebol/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/09/30/lauthenay-perdigao-o-alagoano-amigo-de-dida-com-10-mil-itens-sobre-futebol/#respond Wed, 30 Sep 2020 16:05:44 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/dida-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4086 Josué Seixas

Maceió Futebol e o hábito de colecionar atraíram logo cedo a atenção de Lauthenay Perdigão. Ainda menino, tratava pedras e tampas de garrafa como se fossem bolas. Tinha grandes amigos nos rachas disputados na Praça dos Martírios, no centro de Maceió. Entre eles Edvaldo, mas ninguém o chamava assim. Era Dida, que veio a se tornar um dos maiores artilheiros do Flamengo e ídolo de Zico. Lau e Dida tiveram o começo da trajetória no futebol parecida.

Aos nove, pouco depois de se tornar amigo de Dida, Lau começou a colecionar revistas. Na mente do menino, a palavra colecionador ainda não havia se formado. Só foi uma coisa que ia lendo e guardando em casa. “A minha história de colecionador começa quando surgiu a Revista Ilustrada. Foi a primeira revista que comecei a colecionar”, lembra seu Lau, hoje com 86 anos.

E não parou mais. As camisas, flâmulas, fotografias, revistas e livros somam mais de dez mil itens, todos guardados no Museu Edvaldo Alves de Santa Rosa, em Maceió. Foi uma homenagem de Lauthenay a Dida.

Itens que o amigo Dida mandava para Lauthenay estão hoje reunidos em museu – Arquivo pessoal

Lau passou a jogar no time de aspirantes do CSA, assim como Dida, nos anos 50. O último, entretanto, teve mais sucesso: era artilheiro, craque, virou profissional e chamou atenção de times pelo Nordeste. Na época, ele dizia que só sairia de Alagoas se fosse para jogar no Flamengo. A proposta veio em 1954 e os amigos se separaram, mas mantiveram o contato.

 

Só que, conforme Dida era estrela no Rio de Janeiro, Lauthenay ganhava itens para guardar em seu acervo. Camisas, flâmulas, fotografias, todas enviadas pelo craque do Flamengo. Guardar as capas de revistas em que o amigo era protagonista também se tornou parte da rotina. Ao desistir do futebol ainda na juventude, Lauthenay utilizou as informações que tinha para contar histórias. Era bancário e jornalista.

 

O jornalismo, na verdade, era a atividade das horas livres, como os intervalos para almoço e antes e depois do expediente. Nesse tempo, fazia pesquisas sobre os times de Alagoas e jogadores importantes que passaram pelo Estado.

O Brasil foi campeão mundial de futebol em 1958 e Dida estava no elenco. Dali, vieram camisas assinadas pelos alagoanos da Seleção (Dida e Zagallo), além de outros craques como o adolescente Pelé.

Inauguração do museu com a presença de Zagallo (de gravata vermelha) e Dida (que puxa para cima a fita) – Arquivo Pessoal – 1993

No fim dos anos 60 e começo dos anos 70, Lauthenay fotografou toda a construção do Estádio Rei Pelé e mantém os registros até hoje. Esteve no jogo de estreia, em que o Santos de Pelé venceu a Seleção Alagoana.

“Hoje, me sinto recompensado quando vejo as coleções de revistas esportivas, o meu trabalho todo no museu. Eu acredito que vou deixar muitas coisas [para as próximas gerações], principalmente em termos de revista, livros e fotografias”, diz.

Dos muitos itens que estão guardados, destacam-se a camisa que Pelé utilizou no dia da inauguração do Estádio Rei Pelé, assinada pelo Rei. Estão também a faixa de Campeão do Mundo de 1958 de Dida, as fotografias dos elencos dos principais times de Alagoas.

Lauthenay Perdigão com parte dos 10 mil itens que reuniu ao longo da vida sobre futebol – Arquivo pessoal

O museu está localizado dentro do estádio Rei Pelé desde 1993. Antes da pandemia, sempre estava lá. Pela idade, precisava ser levado pelas filhas ou netas para o espaço.

Semanalmente, Lau era consultado por jornalistas de Alagoas ou curiosos do esporte, interessados em saber sobre as tantas histórias que ele tinha para compartilhar. “O que eu mais sinto falta hoje em dia é ir ao museu. Passei a maior parte da minha vida indo para lá, juntando todos esses itens”.

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Ex-cortador de cana, alagoano já produziu 6.000 rabecas na vida https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/06/30/ex-cortador-de-cana-alagoano-ja-produziu-6-000-rabecas-na-vida/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/06/30/ex-cortador-de-cana-alagoano-ja-produziu-6-000-rabecas-na-vida/#respond Tue, 30 Jun 2020 14:39:07 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/rabeca.jpeg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4060 Josué Seixas

Maceió O menino do canavial que um dia foi Nelson do Santos sente saudade de tocar a rabeca e de receber visitas. Pelo telefone, o homem de 79 anos ainda se faz criança: conversa com alegria, cheio de histórias, e lembra que já produziu mais de 6.000 rabecas nos últimos 25 anos. Antes disso, lembra Nelson, lhe competia ser cortador de cana nos interiores de Alagoas. Era uma rotina de quatro dias de trabalho para três de descanso.

O primeiro contato com a rabeca veio quando Nelson tinha 54 anos. Ele sempre assistia às pessoas tocando violino pela TV quando estava fora do canavial. Resolveu que deveria fazer um instrumento e começar a tocar, mesmo sem ter muito ideia de como deveria ser o processo. Botou na cabeça que daria certo. E deu. Um mês depois, fez seu primeiro show.

Ex-cortador de cana, Nelson da Rabeca produziu exemplares do instrumento em 25 anos de ofício

“Quando eu comecei a tocar, passei a ganhar mais dinheiro do que naqueles dias que trabalhava no canavial e aí deixei de ir para lá. As pessoas acham que eu sou bom e eu acho que sou também, mas nunca pensei que as coisas iam ser desse jeito porque eu só saí testando as coisas até achar a minha tonalidade, mas deu certo. É o que eu gosto de fazer”, conta Nelson.

Para o primeiro instrumento, o processo se desenhou: pegar a madeira e modelá-la a partir de lixas e colagens. A montagem viria depois, lá pelo terceiro ou quarto dia do projeto, em que eram colocadas as cordas de viola. No começo, Nelson sequer sabia que já existia um instrumento chamado rabeca. Fez a dele por intuição porque realmente queria algo que parecesse o violino que admirava.

Nelson não estava sozinho na empreitada. Casado com Benedita Duarte desde os 19 anos, ele encontrava nela a força para seguir em frente. Completaram 60 anos de casados durante a pandemia, por exemplo. Ele trabalhava no canavial e ela tentava arrumar emprego com o que pudesse, inclusive no corte de cana.

Nelson sequer foi à escola. Não sabia ler ou escrever, assim como Benedita. Criaram os 10 filhos no instinto e na memória (um deles já falecido). É Nelson quem compõe o som das músicas. Benedita, que não sabia desenhar as letras num papel, imaginava todas as composições na cabeça enquanto estava nos canaviais. Cantarolava todas no sol quente, entre os cortes da cana, para ver se o dia ficava mais leve. Decorou quase todas e só depois de muito tempo teve coragem de cantá-las.

“A gente sempre foi assim, muito próximo. Às vezes, os aviões passavam por cima da gente, quando estávamos no canavial, e eu ficava pensando: ‘Que loucura é esse povo que confia em voar’. Eu mesma não tinha coragem de fazer isso. E aí Deus muda a vida da gente, começamos a viajar pelo mundo, tocando na Noruega, na África, sem ter ideia do que eles falavam para a gente”, lembra Benedita.

Casados há 60 anos, Benedita ajuda a compor as letras das canções de Nelson da Rabeca

Durante entrevista por telefone para a reportagem, Nelson e Benedita cantaram e tocaram. Estavam com saudades de receber alguém em casa, mesmo que de maneira virtual. Lembraram até que só em 2015 aprenderam a escrever os próprios nomes, com ajuda das filhas Eliene e Maria Claudete. Cheios de sorrisos, se distraem com o que a vida impõe.

“Se tem uma coisa que eu aprendi é que não dá para ser de um jeito só. Tem que estar preparado para fazer qualquer coisa em todo canto. Comigo, foi tocar em outros países e cidades longe de casa”, diz Nelson.

Ele nasceu em Joaquim Gomes, no interior de Alagoas, e hoje vive em Marechal Deodoro, também no Estado. Nelson dos Santos se tornou Nelson da Rabeca, patrimônio vivo de Alagoas. O menino que saiu do canavial tornou-se eterno.

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Aos 83, Chicuta mantém tradição de carros de boi em Minas Gerais https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/02/20/aos-83-chicuta-mantem-tradicao-de-carros-de-boi-em-minas-gerais/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/02/20/aos-83-chicuta-mantem-tradicao-de-carros-de-boi-em-minas-gerais/#respond Thu, 20 Feb 2020 12:00:38 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/boi13-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4046 Donizete Oliveira

MONTE BELO (MG) Segundo o dicionário Aurélio, chicuta significa bebê, criancinha. O termo também foi imortalizado na voz de Tião Carreiro e Pardinho, na canção “Ana Rosa”, em que Chicuta, um sujeito violento, mata por ciúmes sua mulher, Ana Rosa.

É também um apelido comum em algumas regiões de Minas Gerais. Um desses chicutas, que de violento não tem nada, vive em Monte Belo (a 400 km Belo Horizonte). Aos 83 anos, Francisco de Paula da Costa é um dos mais velhos “carreiros” de Minas.

Chicuta preserva a tradição de recriar carros de boi para apresentar às novas gerações esse meio de transporte que por décadas foi vital para a economia do país.

Ele vive em um sítio de 15 alqueires, em Tijuco, zona rural de Monte Belo. A atração fica num galpão ao lado do terreiro de concreto onde se secam cereais: um carro de boi usado para apresentação nas cidades da região.

Os carros de boi estão presentes nas festas populares como um elemento da cultura caipira. Antigamente, era um meio utilizado para puxar cereais e café, que com o tempo foi substituído por veículos motorizados.

Chicuta vestiu uma capa de couro, surrada, em dia chuvoso no sítio em Monte Belo (MG)

O carro de boi de Chicuta o acompanha desde criança. “Meu pai me ensinou a pôr os bois na canga e a viajar levando cereais e café de um lugar a outro”. No pasto, estão os bois treinados para puxar o carro. “Eles só ficam prontos com uns cinco anos de doma e exigem muita paciência do carreiro”.

Na visita da reportagem, em janeiro, durante chuva, Chicuta vestiu uma capa de couro, surrada, colocou a canga nos bois e movimentou o carro. No fogão a lenha, a mulher dele, Maria Cândida, 81, preparava o almoço, com arroz, feijão, carne, verduras e legumes colhidos na propriedade. “A gente faz questão de não abandonar os costumes antigos”, diz ela.

O carro de boi percorreu três km debaixo de chuva. As rodas de madeira cortavam o barro esbranquiçado da estrada de chão batido. Estava munido da varra de ferrão para ajudar na condução dos bois, mas ele não os cutucava. “O bom carreiro guia pelo comando, e eles obedecem, cutucar de leve só em último caso”, afirma Chicuta.
Ao lado segue seu ajudante, Eraso Ananias de Carvalho, 50, também apaixonado por carro de boi –paixão que pôs fim ao seu casamento.

De tanto viajar para apresentações em eventos regionais, sua mulher lhe deu um ultimato: ela ou o carro de boi. Eraso não titubeou em ficar com a segunda opção. “Não largo disso aqui por nada”, diz. Mas não conseguiu passar o gosto pelo ofício a seu único filho, que não se interessa pela tradição.

Chicuta também não. Seus filhos não a cultivam, mesmo com incentivo do pai. Ele diz que tentou, ensinou, mas eles preferem trabalhar com café e outras plantações a domesticar bois de carro.

“Minha sorte é o Eraso, que já se comprometeu em levar adiante essa paixão”, declara o velho carreiro, mas se depender de disposição, ele vai longe guiando os bois nas apresentações regionais.

Chicuta segue na tradição com seu ajudante, Eraso Ananias de Carvalho, 50, também apaixonado por carros de boi

A chuva não cessa em Monte Belo. Duas horas após a partida, ouvem-se os comandos de Chicuta: “Rodeio, Campeiro, Roseiro, Mercado”… os bois conduzem o carro de volta ao terreiro da casa.

Apesar da chuva e do terreno encharcado, ele se lembra da música “Poeira”, composição de Luiz Bonan e Serafin Gomes, primeira gravação de Duo Glacial. “O carro de boi lá vai gemendo lá no estradão/Suas grandes rodas fazendo profundas marcas no chão/Vai levantando poeira, poeira vermelha, poeira/Poeira do meu sertão”.

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Surddy, o palhaço surdo pernambucano que se comunica por Libras nos palcos https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/01/22/surddy-o-palhaco-surdo-pernambucano-que-se-comunica-por-libras-nos-palcos/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2020/01/22/surddy-o-palhaco-surdo-pernambucano-que-se-comunica-por-libras-nos-palcos/#respond Wed, 22 Jan 2020 12:04:56 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/surdo13-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4037 Josué Seixas

MACEIÓ A ideia veio há dez anos. O pernambucano Igor Rocha, então com 21 anos, assistia a uma peça e não entendia quase nada. Surdo, pensou em desenvolver-se pela arte com o apoio da Libras para quem na plateia, como ele, não podia escutar.

Interessado em crescer enquanto artista, Igor investiu nos estudos. Da parceria com a diretora Andreza Nóbrega, atriz especializada em educação inclusiva, brotou o personagem de Igor, o palhaço Surddy.

Ideia do personagem surgiu há dez anos, quando assistiu a uma peça e não conseguiu entender os atores, por ser surdo

Assim também foi estabelecida a dinâmica de como seriam suas peças –um jogo de corpo, luzes e expressões com a plateia, misturados a um figurino colorido. Encontrou na arte circense o caminho para se comunicar sendo surdo, “porque as expressões visuais e corporais são mais valorizadas em Libras”.

Igor inspirou-se em Charlie Chaplin, Jim Carrey e Mr. Bean para contar suas histórias. Então, em seus espetáculos, existem apenas três sons: os movimentos de Igor, como quando corre pelo palco batendo os pés; as risadas de crianças e adultos; aplausos ao final.

“Decidi fazer peças totalmente acessíveis porque nós, como surdos, sofremos sem acessibilidade e perdemos informações. Já entendemos como é sentir espetáculos sem acessibilidade, por isso queremos que todo mundo se sinta incluído e feliz por ter oportunidade igual com as demais pessoas sem deficiência”, conta.

O artista já esteve em shows por Pernambuco, Ceará e São Paulo. Nas apresentações, há participação do público surdo. Alguns assistiram a mais de uma vez às peças.

A formação enquanto palhaço foi longa. Começou com a graduação em Letras-Libras, depois oficinas com Rapha Santacruz (mágico), Giulia Cooper (palhaça) e Marcelo Oliveira (artista), além do acompanhamento da VouVer Acessibilidade.

Para Igor, entretanto, esse é um caminho difícil porque há poucas oportunidades de formação – falta acessibilidade e acompanhamento. “Na minha vida, sempre tive dificuldades porque sociedade não está preparada para receber surdos nem entender as nossas necessidades. Por exemplo, ainda está em falta intérpretes de Libras em todos lugares e nos espaços culturais ainda são poucas as iniciativas. A falta de entendimento que a pessoa surda é capaz é uma grande obstáculo para que possamos viver e fazer arte”.

O ator na peça“A Chegada”, que atua com ajuda da Libras para compreensão do público surdo

No espetáculo, o cenário de Igor usa poucos elementos. Uma flor, uma cadeira, um vaso e uma mesa se destacam, além do cavalete que acompanha o Palhaço Surddy, que usa até mesmo o nariz vermelho clássico.
A peça, intitulada de “A Chegada”, apresentada em 2019, é para todos os públicos. Já rodou o Brasil – se apresentou em São Paulo, Recife e Fortaleza, por exemplo.

Ele agora vive em Arapiraca, interior de Alagoas, e trabalha como professor e ator. Sempre tem no rosto uma expressão serena, satisfeito em levar às pessoas alegria, sentimento e uma comunicação acessível.

“Meu objetivo é que todas as pessoas entendam que a inclusão precisa acontecer de verdade, que as pessoas ouvintes e surdas possam conviver, aprender juntas. É isso o que nós sentimos no processo de montagem e nos espetáculos do Surddy”.

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Poeta matuto de Alagoas, cordelista Jorge Calheiros, 80, tem 226 títulos publicados https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/12/19/poeta-matuto-de-alagoas-cordelista-jorge-calheiros-80-tem-226-titulos-publicados/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/12/19/poeta-matuto-de-alagoas-cordelista-jorge-calheiros-80-tem-226-titulos-publicados/#respond Thu, 19 Dec 2019 12:55:52 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2019/12/cordelista4-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=4028 Josué Seixas

MACEIÓ Eram 14h de sábado e Jorge Calheiros estava com um martelo e um prego nas mãos porque precisava pendurar uma foto nas paredes de casa. Com as mãos, disse ele, precisava fazer mais do que escrever. Na mente é que guarda o talento. São 226 cordéis escritos ao longo dos 80 anos e 96 deles estão na ponta da língua.

Nascido no município de Pilar, o cordelista e poeta Jorge Calheiros é patrimônio vivo de Alagoas desde 2011. São 68 anos escrevendo. O interesse pela poesia veio da alma e das coisas que a vida jogava em si.

O cordelista alagoano Jorge Calheiros, 80, já escreveu 226 cordéis

Aos 7, conta Jorge Calheiros, sonhava em conhecer uma escola. Poderia ser qualquer escola. Como estudante, nunca entrou em uma. Aprendia em casa, junto a seis irmãos, quando a irmã Zilda chegava das aulas. Tornou-se alfabetizado assim.

“Eu chorava e pedia ao meu pai para me deixar entrar na escola. Só que ele dizia que, se eu entrasse, eu teria outro motivo para chorar. Eu nunca poderia entrar na escola de novo, não tínhamos dinheiro para pagar. Meu pai juntou a família e tentamos ver qual dos filhos teria mais sucesso se fosse para a escola. Escolhemos a Zilda. Sete irmãos trabalhavam para que essa minha irmã estudasse e nos ensinasse depois”, revelou.

À época, Jorge trabalhava ajudando o pai, catando madeira no meio da mata para fazer carvão. Na vida, teve experiências como marceneiro, pedreiro, dono de casa de cópias – foi andarilho no Nordeste para achar emprego.

Começou a escrever os cordéis aos 12, ao ouvir as histórias que alguns homens liam à beira de uma fogueira, tarde da noite, após um dia de trabalho. Não sabia que era bom naquilo.

Só descobriu aos 18, numa viagem a Sergipe, quando um homem leu os textos e pagou por eles. Se ganhava dinheiro, tinha talento e precisava investir nele. Naquele tempo, ainda chamavam os cordéis de “livros de histórias”. ‘A poesia, a lenda, era história’, definiu Jorge.

Jorge Calheiros ganhou o título de patrimônio vivo de Alagoas em 2011

“Nunca estudei em escolas, mas sempre li muito. Fazer cordel é entender a história do Brasil, do nosso Nordeste, saber contá-la com estética e métrica. Falo sempre que é importante saber contar a desgraça com graça. Por isso, pessoas com mais estudo e condições do que eu vêm e compram minhas obras”, disse.

É essa vontade e inveja de não ter ido à escola que faz Jorge ajudar estudantes carentes de Alagoas. Ele custeia o material das crianças, “para formar mais pessoas que produzam cultura”, para que tenham uma chance como ele teve.

Pai de oito filhos e viúvo, Jorge deve à esposa o cordel que mais vendeu. Em uma discussão dentro de casa, a esposa o chamou de feio e ele a chamou de feia. Daí, nasceu “Mulhé Feia”.

“Preciso só de uma palavra para escrever um cordel. Minha mulher era a mais bonita do mundo, foi meu amor, mãe dos meus filhos, minha companheira”, parou, meio emocionado e emendou: “Quando comecei a escrever, ela rasgou o livro três vezes. Fui, escrevi escondido, ganhei três mil reais e dei dois mil a ela, nunca mais reclamou”, finalizou Jorge, rindo.

Calheiros já se apresentou em vários estados do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco. Nas palestras, as pessoas sempre se surpreendem quando ele entra.

“Quando veem meu currículo, as pessoas pensam que vou chegar todo bem vestido, de terno e gravata. Aí eu entro, bem simples, converso com todo mundo, roupas confortáveis. É o jeito que gosto.”

Aos 80 anos, o alagoano Jorge Calheiros recita seus textos com facilidade. Consegue explicá-los fazendo alusão aos ritmos de Luiz Gonzaga, Cara Véia, Caju & Castanha, Teixerinha, por exemplo. Elegante, é ele mesmo quem produz os próprios cordéis. Imprime, recorta, cola e, de vez em quando, até desenha as caricaturas que os acompanham.

Sentado em uma cadeira antiga, feita de madeira, e com uma luz fazendo as vezes de luminária, Jorge pega a caneta e tece mais algumas palavras para o próximo cordel. Feito teia de aranha, diz ele, uma palavra puxa a outra e a sustenta. É assim que vive. É por isso que não esquece os textos com o tempo.

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Professor de artes vira ‘sheik’ em dunas do Rio Grande do Norte https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/11/18/professor-de-artes-vira-sheik-em-dunas-do-rio-grande-do-norte/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/11/18/professor-de-artes-vira-sheik-em-dunas-do-rio-grande-do-norte/#respond Mon, 18 Nov 2019 12:02:01 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2019/11/dromedario12-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=3995 Cledivânia Pereira

NATAL Quem chega ao topo da principal duna da praia de Genipabu, município de Extremoz (a 20 km de Natal), descobre um pequeno mundo que reúne em 200 metros quadrados a Arábia Saudita, Egito e Índia. É a chamada “tenda cenário” montada pelo professor de artes João Maria, que desde 2015 trabalha vestido de sheik no ponto turístico. A proposta não vende nada material, apenas experiência fictícia “de estar em um deserto”.

Na tenda, que parece com um barracão de escola de samba que vai defender um enredo de deserto árabe, há réplicas de dromedário, elefante e cavalo em tamanho natural compondo o cenário para fotos. É um verdadeiro cenário “instagramável”. “A novidade para a próxima estação será um cavalo alado. Vamos trazer a mitologia grega para nossa tenda”, promete o professor.

Para entrar na tenda, vestir as roupas e posar para fotos sobre os animais de fibra de vidro, o professor cobra entre R$ 20 e R$ 30 por pessoa. Mas oferece desconto para grupos maiores.

Ele não revela quanto consegue faturar e lembra que a duna já teve mais movimento. “Trabalhar com turismo requer muita persistência e resistência. Especialmente quando o serviço que oferecemos é único e desconhecido”.

O professor iniciou o serviço em 2015, quando perdeu o cargo comissionado em uma prefeitura do interior potiguar. Começou vestindo os turistas que faziam o passeio nos dromedários, que fica na mesma duna. “Queria que todos saíssem bem nas fotos. Andar em dromedários vestido de sheik e odalisca é uma experiência muito mais rica. Especialmente para as fotos de recordação”.

Há dois anos, o “professor sheik” decidiu montar sua própria tenda no ponto turístico. Passou a oferecer o cenário e roupas para os turistas que não queiram fazer o passeio nos animais. “Ajudo a compor bons cenários para as fotos de redes sociais. É uma experiência única”.

Pórtico árabe no cenário erguido nas dunas em Extremoz (RN)

João Maria tem uma ajudante: Melâne Caly, 27. Ela trabalha vestida de odalisca e é quem orienta os turistas na escolha das roupas e acessórios.

Antes da tenda, ela já havia trabalhado em outras atividades do turismo na praia: vendedora ambulante e atendente em barracas de comida e bebida. “Aqui, parece outro mundo”, diz. Entre as tarefas de Melâne também está a de apontar os melhores cenários e ângulos de fotos para os turistas.

O casal de turistas de Goiás, José Pedro e Helô Diniz, chegou à duna de motocicleta e parou na tenda cenário para fazer fotos. “Vale a experiência. Não sabia que existia esse comércio aqui na duna. Não vamos andar nos dromedários, mas vamos fazer as fotos aqui para guardar de lembrança”.

Sobre a duna principal da praia, onde fica a tenda cenário, há pelo menos 20 pequenas barracas que formam uma improvisada feira turística. Essas, disputam espaço com bugueiros –que oferecem passeios avulsos– e ambulantes que sobrevivem vendendo água, refrigerante e cerveja.

Há, também, uma piscina de lona de 130 metros quadrados do skibunda, atrativo local que permite deslizar na areia sentado em uma espécie de prancha de madeira e cair na água. No local não há qualquer estrutura para receber turistas, como banheiros ou ponto de informações. Também não tem equipes de fiscalização ou seguranças.

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A vida de Teófanes Silveira, o palhaço Biribinha, patrimônio vivo de Alagoas https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/10/21/a-vida-de-teofanes-silveira-o-palhaco-biribinha-patrimonio-vivo-de-alagoas/ https://brasil.blogfolha.uol.com.br/2019/10/21/a-vida-de-teofanes-silveira-o-palhaco-biribinha-patrimonio-vivo-de-alagoas/#respond Mon, 21 Oct 2019 11:02:32 +0000 https://brasil.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/biribinha-320x213.jpg https://brasil.blogfolha.uol.com.br/?p=3986 Josué Seixas

MACEIÓ Em 1958, Teófanes Silveira, baiano de Jequié, chorou em cima do palco. Tinha sete anos quando assustou-se com os olhos da multidão e o riso de outras crianças como ele na plateia. Naquele palco em Angra dos Reis, nascia o palhaço Biribinha.

Chamava-se assim porque era magrinho, pequenininho e era filho do Biriba. Tinha de ser Biribinha. Aos 68, Teófanes tem hoje residência fixa em Arapiraca, interior de Alagoas, mas roda o mundo inteiro desde que seu pai decidiu abandonar o curso de direito para viver do circo.

Foi ali que começou a geração dos Silveira na arte circense. Agora, a quinta geração da família está prestes a despontar.

“Meu pai foi meu grande professor. Ele me ensaiava, me dirigia. Antes de ser o Palhaço Biribinha, fiz dois espetáculos com ele. Então, meu pai chegou e disse: ‘Você acaba de testar os dois lados diferentes da mesma moeda. Quem consegue fazer rir e fazer chorar, tem que ser palhaço’, então me jogou no picadeiro e no palco, as minhas duas escolas”, conta o artista.

Depois de uns anos longe do circo, Teófanes retomou em 2006 o ofício de palhaço

O pai de Teófanes, Nelson Silveira, aproveitou bastante a época do circo no Brasil. Começou na Bahia, depois foi para Minas Gerais, São Paulo, Minas Gerais de novo e Rio de Janeiro.

Lá, conta, a família passou por uma das situações mais tensas. Era a época da ditadura Militar e a repressão estava em alta. Nelson, que já tinha 26 obras de teatros registradas, achou melhor sair dali e voltar para o Nordeste. O pai morreu em 1977. Teófanes, então, tornou-se o diretor do circo e da família.

“Aquele dia foi muito triste. Eu estava maquiado de Biribinha, preparado para começar o espetáculo, tudo cheio, não cabia mais gente. Peguei o bilhete, li, coloquei no bolso de palhaço, chamei meu irmão e mandei anunciar o início do espetáculo. As coisas da vida são assim.”

Teófanes seguiu com o circo até 1986, quando resolveu baixar a lona e encerrar as atividades do Circo Mágico Nelson.

Depois de alguns anos, criou um novo circo. Estava casado, já era pai de quatro filhos, e vivia viajando entre os estados do Nordeste para se apresentar. As crianças, entretanto, não se adaptaram à vida das viagens. Teófanes desistiu do circo e resolveu morar definitivamente em Arapiraca.

“Tive que aprender a me adaptar e me tornei pioneiro em alguns pontos artísticos e culturais dessa cidade. Comecei a fazer teatro nas escolas, fazer festas de recreação, oficinas de palhaço, falava sobre circo-teatro nas escolas, trabalhei na Secretaria de Cultura. Já fui até Papai Noel no Natal. E com isso criei meus filhos.”

Só em 2006 que Teófanes voltou à rotina. Foi a Curitiba, para um festival, sem qualquer garantia de dinheiro. “Eram R$ 15 se a pessoa trabalhasse no dia. Se não, ficava com fome. Saí de lá com seis festivais contratados e não parei mais”. O espetáculo foi para a Europa e para o Canadá.

Palhaço Biribinha em uma de suas apresentações

O Palhaço Biribinha foi considerado patrimônio vivo de Alagoas em 2010. Ele recebeu o Prêmio Governador do Estado para Cultura 2015, na categoria Circo – júri popular, com 58% dos votos. Teófanes, entretanto, não pensa em parar. Gosta é de passar o conhecimento.

“Nunca paguei por nada do que aprendi e não estou cansado. Tenho toda uma eternidade para descansar. Daqui a pouco chego aos 70 de idade e isso ainda é pouco para tanta coisa que eu fiz e que ainda tenho para fazer.”

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